23 de outubro de 2020 Salvar link Foto: Nathalia Segato / Unsplash
Ambiente

Highlights

  • Análise de 349 espécies de mamíferos da América do Sul projeta que as florestas tropicais passarão a ter características de cerrado
  • Espécies relacionadas à savana aumentarão de 11% a 30% ao longo do século e se espalharão pelas florestas amazônicas e atlânticas
  • Ao substituir florestas por ambiente seco de vegetação aberta, queimadas e desmatamento impedem que mamíferos especialistas em habitats florestais colonizem esse ambiente

As florestas tropicais da América do Sul estão se transformando em cerrado (savana brasileira), o que impactará na sobrevivência de mamíferos “especialistas” em ambientes florestais. É o que observam pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade Estadual Paulista (UNESP) e Universidade de Miami, em estudo da revista “Global Change Biology”. O trabalho mostra que uma parte da fauna do cerrado, que geralmente tolera ambientes mais abertos e secos, poderá invadir regiões de floresta degradada e “savanizada” em decorrência das mudanças climáticas e de ações humanas, como desmatamento e queimadas.

Ao analisar 349 espécies de mamíferos com base em modelos computacionais, que possibilitam previsões sobre como a distribuição das espécies pode mudar ao longo do tempo, os autores projetam que, até o final do século 21, as espécies relacionadas à savana aumentarão em 11% a 30% e se espalharão pelas florestas amazônicas e atlânticas. Paralelamente, as espécies que dependem de ambientes florestais para se movimentar, alimentar e reproduzir, caso de primatas e algumas espécies de cervos e roedores, ficarão confinadas em regiões menores com remanescentes de floresta, processo que aumentará a competição por alimento.

“Os animais vindos do Cerrado vão competir com a fauna da floresta pelos já escassos recursos que vemos lá. Com isso, eles  podem trazer consigo as sementes das plantas do Cerrado, que eles consomem preferencialmente. Os mais afetados serão os primatas neotropicais, algumas espécies de cervos, a paca, e várias espécies de roedores”, afirma o biólogo e um dos autores do estudo, Mathias Mistretta Pires, do Laboratório de Estrutura e Dinâmica da Diversidade do Departamento de Biologia Animal, do Instituto de Biologia, da Unicamp.

De acordo com o especialista, embora, segundo as análises do estudo, determinadas espécies do Cerrado como o lobo-guará e o tamanduá-bandeira possam aumentar sua distribuição territorial em decorrência do fato que as condições ambientais serão mais adequadas a essas espécies do que às espécies florestais, isso não significa que os mamíferos do Cerrado estejam livres de ameaça. “O Cerrado também é um bioma muito impactado por ações humanas”, alerta.

Como proteger o equilíbrio da fauna

Mais importante do que pensar em reverter o processo de savanização, é preciso atuar sobre suas causas principais, com ações individuais e políticas de mitigação das mudanças climáticas, como o uso de técnicas agrícolas que não incluam o fogo e o combate ao desmatamento. A observação é da bióloga e autora principal do estudo, Lilian Patrícia Sales, que também atua no Instituto de Biologia, da Unicamp.

O cerrado tem sido convertido em plantações e pastagens que são inadequadas como habitat para a maior parte da fauna. Enquanto isso, os ecossistemas florestais estão sendo degradados e se transformando em ambientes mais secos devido às mudanças no clima, que não são nem floresta, nem savanas de fato. Essas florestas degradadas se tornam inabitáveis para as espécies florestais, mas podem se tornar refúgios para as espécies de savana. Com isso, reforçam os autores, até o fim do século pode haver modificações em grande escala na distribuição territorial da biodiversidade do continente sul-americano.

No estudo, também foi avaliado o efeito do desmatamento sobre a capacidade das espécies de se locomover de uma região a outra. “Para espécies florestais, uma plantação de cana ou soja, por exemplo, pode ser uma barreira intransponível. Isso impede que essa espécie colonize ambientes que seriam adequados a ela. Portanto, as atividades humanas não só transformam o ambiente, como limitam a capacidade de deslocamento dos animais”, observa Lílian Sales.

Outro ponto importante para mitigar os efeitos da savanização, ressalta a bióloga, é a manutenção de corredores florestais que permitam a dispersão de espécies de floresta entre as manchas remanescentes. Sem isso, conclui, muitos locais que poderiam ser  utilizados como habitat se tornam inacessíveis para essas espécies, o que limita sua distribuição aos refúgios, áreas que mantêm características climáticas e de vegetação.

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Fonte: Agência Bori

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Publicado na Bori em 23/10/2020, 23:00 – Atualizado em 10/3/2021, 8:48