25 de junho de 2021 Foto: Christian Ghrun / Unsplash
Cataratas do Iguaçu, no Parque Nacional do Iguaçu (PR)

Por Michele de Sá Dechoum

No dia 9 de junho de 2021, foi aprovada a votação, em regime de urgência, do Projeto de Lei (PL) 984/2019 que permite a reabertura da Estrada do Colono no Parque Nacional do Iguaçu, no Paraná, e altera a Lei Federal que estabelece o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei Federal 9985/2000). Com argumentos tecnicamente questionáveis, sem uma discussão ampla sobre sua repercussão, esse Projeto de Lei pode impactar de forma irreversível o Parque Nacional do Iguaçu, importante patrimônio natural brasileiro.

Essa não é a primeira tentativa de reabertura da Estrada do Colono, que corta a floresta exuberante de uma das primeiras unidades de conservação criadas no Brasil. Desta vez, o PL 984, de autoria do deputado Vermelho (PSD/PR), propõe a criação de uma nova categoria de unidade de conservação que não existe na legislação brasileira, chamada no documento de “estrada-parque”.  Ao contrário do que parece, a proposta de reabertura não se configurará como uma estrada-parque para apreciação da natureza e turismo ecológico, algo que realmente existe em outros países.

A Estrada do Colono, aberta em 1953, cortava a floresta do Parque Nacional do Iguaçu ao longo de 18 km ligando Serranópolis do Iguaçu, no Oeste, até Capanema, no Sudoeste do Paraná, e foi fechada pelo IBAMA em 2001 e novamente em 2003, após uma nova tentativa de abertura. O interesse na estrada é permitir um atalho no deslocamento entre as áreas ao norte e ao sul do Parque, ao invés de se utilizar as rodovias já existentes que contornam a Unidade. Contudo, a Estrada só tem sentido se houver uma balsa que faça a travessia do rio Iguaçu até a PR 281 – o que atualmente não existe.

Localizada na parte de floresta mais bem conservada do parque, a estrada está completamente tomada por vegetação nativa. O parque, criado em 1939, cobre pouco mais de 185 mil hectares na divisa entre Brasil, Paraguai e Argentina e tem uma relevância que transborda os limites geográficos do Brasil. Junto ao Parque Nacional de Iguazú, na Argentina, essa área contínua de floresta é responsável por proteger espécies raras e ameaçadas de fauna, como a onça-pintada, a harpia e o bugio, e da flora, como a peroba-rosa e o palmito-juçara. O Parque tem também grande potencial para pesquisas científicas e atividades educativas.

A abertura de estradas, por mais necessárias que sejam, acarreta inúmeros prejuízos como o aumento do risco de atropelamento da fauna local, facilitação do acesso para a caça da fauna nativa, aumento da fragmentação de populações de plantas e animais e da disseminação de plantas invasoras, além do potencial aumento de processos erosivos que comprometem recursos hídricos.

Além de ameaçar o Parque Nacional, a reabertura da Estrada do Colono põe em risco as Cataratas do Iguaçu, atrativo reconhecido pela UNESCO como Patrimônio Natural da Humanidade. Com grande relevância cultural e econômica para o Brasil, as Cataratas recebem milhões de visitantes do mundo inteiro todos os anos. No ano de 2019, o número recorde de visitantes chegou a 2 milhões. Ao criar mais uma potencial rota para o contrabando de drogas e armas dessa região de fronteira do Brasil, a abertura da estrada pode aumentar a insegurança da área o que, possivelmente, afastará turistas.

Diante dos problemas expostos, qual é a justificativa para que esse PL seja votado em regime de urgência, sem que ocorra uma discussão madura e expandida, envolvendo a comunidade científica, sobre o que está sendo proposto? Temos uma real justificativa para alterar uma Lei Federal e rasgar um Parque Nacional que é modelo de gestão e referência nacional e internacional em conservação da natureza? Avaliando prós e contras, a estrada vai realmente aumentar o turismo, como alega o proponente, ou vai afastar os turistas que buscam justamente um contato maior com a natureza pouco alterada?  Parece que, mais uma vez, a Câmara Federal dá sua contribuição para o retrocesso ambiental no Brasil.

 

Sobre a autora

Michele de Sá Dechoum é professora e pesquisadora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e membro da Coalizão Ciência e Sociedade. O artigo contou com a colaboração de outros membros da rede.

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Publicado na Bori em 25/6/2021, 22:00 – Atualizado em 30/6/2021, 10:12