23 de outubro de 2021 Foto: Gilberto Soares / Ministério do Meio Ambiente

Por Felipe Melo

A vida na Terra tende à diversidade — e o registro paleontológico mostra que vivemos, hoje, o tempo de maior biodiversidade do planeta. Essa enorme variedade de vida, da qual somos parte, também nos alimenta há milênios.

Desde que começamos a andar sobre duas patas, começamos a usar as mãos para explorar os mais variados tipos de alimentos: animais, vegetais, fungos. Os nossos hábitos alimentares provêm tanto do extrativismo quanto da agricultura. Utilizamos milhares de espécies de plantas e animais e domesticamos outras tantas, produzindo variedades numa velocidade que deixa a seleção natural no chinelo. Tanta diversidade alimentar, originada em diferentes climas, culturas e tempos, deveria nos dar segurança inquestionável de que, haja o que houver, teremos o que comer.

Apesar disso, a humanidade vem abandonando a diversidade quando se trata de sistemas alimentares. Com o tempo, as dietas estão cada vez mais parecidas ao redor do mundo. Praticamente em qualquer país encontramos culturas alimentares baseadas em arroz, batata, milho e trigo. As fontes de proteína animal também são restritas, em sua maioria, a bovinos, porcos, aves e, com menor participação, peixes.

Em resumo, 98% da demanda calórica da humanidade é atendida por apenas 12 espécies de plantas e 14 de animais. Mais grave ainda é que abandonamos a maioria das raças e variedades produzidas dessas mesmas espécies — tudo por eficiência e produtividade. As variedades crioulas de plantas e animais, que são diversidade genética, hoje se restringem a enclaves de produção associados a comunidades tradicionais. O capitalismo, cuja seta aponta sempre para o acúmulo, obrigou a humanidade a abandonar a diversidade em favor da produtividade. Depender de poucas variedades de poucas espécies é um risco enorme para a humanidade.

Não é novidade que a contribuição da biodiversidade para a alimentação humana é imensa e está ameaçada. A Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES, na sigla em inglês) produziu um documento contundente sobre o tema. O relatório mostra que 76% das plantas cultivadas para alimentos no Brasil dependem de polinizadores (abelhas, morcegos, aves etc). Este serviço ecossistêmico gratuitamente oferecido pela biodiversidade é posto em risco por ações como desmatamentos, incêndios e o uso indiscriminado de agrotóxicos.

A entidade alerta, ainda, que outros serviços ecossistêmicos — dos quais depende a produção de alimentos no Brasil e no mundo — estão em perigo. Ao perder florestas, alteramos os ciclos de água e nutrientes do solo e comprometemos a produção de alimento.

A urgência dessa questão motiva as discussões da COP-15 da biodiversidade, que ocorre neste mês de outubro. Líderes de todo o mundo discutem os rumos da proteção à biodiversidade, estabelecendo uma agenda para os próximos 30 anos. A agrobiodiversidade está entre os temas de destaque.

Soluções não faltam. Um modelo de agricultura amigável com a biodiversidade é urgente para o enfrentamento das mudanças climáticas que se avizinham. Essa “nova agricultura” precisa desviar do modelo do baseado na “revolução verde”, representado pelo agronegócio — nesse esquema, os ganhos de produtividade vêm às expensas da biodiversidade.

Uma mudança é essencial para a garantia de um dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, o ODS 2: zerar a fome no mundo, estimulando a agricultura de pequena escala que empodere populações tradicionais, indígenas e mulheres. Tecnologia para o aumento de produtividade, regulação de mercado de commodities e o resgate e manutenção da agrobiodiversidade estão entre as metas para 2030.

O futuro dos sistemas alimentares, com soberania e resiliência às mudanças climáticas, depende da biodiversidade. Não haverá segurança alimentar num planeta simplificado e homogêneo. A biodiversidade é a maior garantia de que poderemos alimentar as próximas gerações.

 

Sobre o autor

Felipe Melo é biólogo, doutor em ecologia, coordenador do laboratório de ecologia aplicada da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e ecossocialista.

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Publicado na Bori em 23/10/2021, 23:00