6 de maio de 2020 Foto: VISUALS / UNSPLASH
máscara descartável branca sobre fundo vermelho; máscaras inibem a transmissão por aerossóis
Quanto menor uma partícula, por mais ela tempo permanece suspensa no ar

Por Milena Ponczek

Nas últimas semanas, surgiu o debate sobre a possibilidade que o SARS-CoV-2 se transmita através de aerossóis pelo ar. Até pouco tempo, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Center for Disease Control and Prevention (CDC) afirmavam não haver transmissão do vírus pelo ar e que os organismos contidos em gotículas geradas quando os pacientes tossem ou espirram rapidamente precipitam e se depositam. Considerava-se, de forma geral, que a transmissão ocorresse por contato indireto, ou seja, pelo contato com as superfícies onde o vírus foi depositado ou através do contato pessoa a pessoa transferindo o vírus entre hospedeiros infectados e suscetíveis (como num aperto de mão). Para o público em geral, o CDC não mencionava a transmissão aérea em ambientes públicos.

Conversar, respirar, tossir e espirrar criam uma suspensão de partículas de vários tamanhos, pequenas e grandes – o que chamamos de aerossol. Pessoas contaminadas emitem essas partículas contendo o vírus. Durante um espirro ou tosse, são emitidos “sprays” de fluido do trato respiratório, partículas maiores, geralmente com mais de 5 micrômetros (μm) de diâmetro. Já ao falar ou respirar são produzidas partículas menores, da ordem de nanômetros que chegam, no máximo, a alguns micrômetros de diâmetro.

Imediatamente após a emissão das gotículas, seu conteúdo líquido começa a evaporar e algumas delas se tornam tão pequenas que o transporte pela corrente de ar as afeta mais que a gravitação. As pequenas gotículas são suficientemente pequenas para permanecer no ar por horas e podem viajar no ar transportando seu conteúdo viral até dezenas de metros de onde se originaram, como nas figuras 1 e 2.

No tempo 0, um aerosol é expelido pela pessoa A. A pessoa B recebe gotas de spray e respira essas partículas. A pessoa C não está exposta

Figura 1. Emissão de aerossóis

No tempo 1, as partículas menores se dispersam pelo ambiente. Partículas maiores depositam-se no solo. Pessoas B e C estão expostas e respiram as partículas.

Figura 2. Dispersão de partículas expelidas pela fala, tosse, espirro.

A discussão quanto à transmissão aérea surge porque alguns organismos são mais resistentes que outros. Tuberculose e sarampo (exemplos clássicos de doenças respiratórias transmitidas pelo ar) permanecem viáveis no ar por longos períodos. A viabilidade se dissipa com o tempo, e não com a distância. Para considerar a transmissão aérea os organismos causadores da doença devem ser persistentes o bastante.

O tamanho das partículas é o parâmetro mais importante para determinar o tempo que elas permanecem em suspensão no ar e seu alcance no trato respiratório humano. Quanto menor a partícula, maior o seu tempo “voando por aí” e mais profundamente ela pode penetrar nas vias respiratórias.

Devido ao seu tamanho nanométrico, o SARS-CoV-2 (~ 100 nm) não precipita facilmente e pode coagular (“grudar”) em outras partículas atmosféricas, que funcionam como um substrato que permite que o vírus permaneça no ambiente por horas ou dias.A principal questão é saber se a carga viral é ativa o suficiente para causar a infecção. Ainda não se sabe qual é a dose infecciosa que oferece uma chance significativa de sermos infectados ao respirarmos o vírus em aerossol.

Um estudo publicado em março estimou a taxa de decaimento da atividade infecciosa do SARS-CoV-2 em aerossóis indicando que essa forma de transmissão é plausível pois o vírus permaneceu viável e infeccioso por até 3 horas. Embora em condições reais esse período seja provavelmente menor, ainda não existem estudos estimando esse tempo.

Sabe-se que doses mais altas de partículas infecciosas têm maior probabilidade de resultar em infecção e doença. Por isso, os profissionais de saúde, cujo trabalho os aproxima de mais pessoas com sintomas mais graves em espaços fechados, correm mais risco do que o público em geral. Por isso uso de equipamentos de proteção individual (EPIs), como máscaras, escudos faciais é recomendado e daí a importância de uma boa ventilação e aeração em salas fechadas, como em hospitais.

 

Referências

[1] Lisa Brosseau, COMMENTARY: COVID-19 transmission messages should hinge on science. https://www.cidrap.umn.edu/news-perspective/2020/03/commentary-covid-19-transmission-messages-should-hinge-science    Acessado em 13/04/2020.

[2] CDC. Coronavirus disease 2019 (COVID-19): how COVID-19 spreads. Acessado em 13/04/2020

[3] Setti L., et al. Position Paper: Relazione circa l’effetto dell’inquinamento da particolato atmosferico e la diffusione di virus nella popolazione,  2020.

[4] Van Doremalen, Neeltje et al. Aerosol and Surface Stability of SARS-CoV-2 as Compared with SARS-CoV-1. New England Journal of Medicine, [s.l.], v. 382, n. 16, p. 1564-1567, Apr 2020. Massachusetts Medical Society. http://dx.doi.org/10.1056/nejmc2004973. 

 

Sobre esse artigo

Milena Ponczek é pós-doutoranda no Laboratório de Física Atmosférica, Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), Brasil

Rafael Liñan Abanto é do Departamento de Física, Facultad de Ciencias,  Universidad Nacional Jorge Basadre Grohmann, Tacna, Peru.

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Publicado na Bori em 6/5/2020, 10:31 – Atualizado em 14/12/2023, 16:45