6 de abril de 2020 Foto: TOMAZ SILVA / AGÊNCIA BRASIL

Por Rachel Biancalana Costa

Em entrevista coletiva em 26 de março, o presidente da república, Jair Bolsonaro, afirmou que o “brasileiro tem que ser estudado. O cara não pega nada. Eu vi um cara ali pulando no esgoto, sai, mergulha (…) e não acontece nada com ele”. O Presidente indicava, assim, que o contato regular com esgoto sanitário conferiria ao brasileiro maior resistência a doenças infecciosas, inclusive o covid-19, provocado pelo novo coronavírus. De fato, a falta de saneamento básico segue sendo a realidade para a maioria dos brasileiros. Os últimos levantamentos do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento mostram que cerca de 35 milhões de brasileiros não possuem acesso à água potável e que quase metade (48%) da população não tem acesso à rede de coleta de esgoto [1].

Essa situação coloca em risco a saúde de milhões de pessoas – só em 2016, foram 346,5 mil internações causadas por doenças de veiculação hídrica – que incluem cólera, febre tifóide, hepatite A, e diversas infecções que provocam diarréias. Além da contaminação por contato direto com esgoto não tratado, a reservação de água de abastecimento, quando feita de forma inadequada, pode levar à floração de algas e cianobactérias, capazes de liberar toxinas prejudiciais à saúde humana. Pesquisadores brasileiros demonstraram, recentemente, que o consumo de água de má qualidade por gestantes está ligado ao aumento de casos de microcefalia causados pelo zika vírus em algumas regiões do país [2].

A falta de equipamentos de saneamento adequados está ainda associada a outros efeitos nocivos, mas invisíveis. Pesquisadores têm demonstrado que a falta de acesso a equipamentos de saneamento e o consequente contágio de doenças de veiculação hídrica na infância afetam o desenvolvimento cognitivo [3]. Existem evidências de que isso atrasa o desempenho escolar de crianças e jovens, o que pode influenciar, a longo prazo, até oportunidades de emprego.

Perda de biodiversidade

Outro exemplo é o desequilíbrio de ecossistemas e a perda de biodiversidade associados a falta de serviços de saneamento [4]. Esses impactos podem provocar a proliferação de vetores e consequente surtos de doenças infecciosas, como o de ebola no continente africano em 2014. Além do possível impacto sobre a saúde humana, o declínio da biodiversidade pode provocar alterações em vários sistemas ambientais, ameaçando a fauna e flora locais.

O impacto negativo sobre a saúde humana derivado da falta de acesso a serviços de saneamento pode ser estimado por indicadores econômicos. O Instituto Trata Brasil estima que em 20 anos serão gastos 5.9 bilhões de reais com com despesas com internação no Sistema Único de Saúde (SUS) ou afastamentos do trabalho, causados por doenças de veiculação hídrica [5]. Em contrapartida, a Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que para cada um dólar investido no abastecimento de água potável e saneamento, o retorno é de US$ 4- 12, dependendo do tipo de intervenção [6].

Para além do frio cálculo matemático, há o desperdício de recursos que não podemos contabilizar e riscos difíceis de prever. Longe de nos outorgar qualquer imunidade extra a doenças, a falta de acesso a serviços de saneamento básico representa o aumento do risco de passarmos por novos surtos de doenças, e é um grande desperdício de recursos humanos.

 

Referências

1. Disponível em http://www.snis.gov.br/diagnosticos

2. Artigo completo em https://doi.org/10.1371/journal.pntd.0008060. Reportagem de O Globo que publicou a conclusão do estudo está disponível em https://cutt.ly/ytOXJrJ

3. https://www.scientificamerican.com/article/how-poverty-affects-the-brain/

4. https://www.thelancet.com/commissions/planetary-health e

http://agencia.fapesp.br/degradacao-ambiental-ameaca-a-saude-humana/21949/

5. http://www.tratabrasil.org.br/blog/2018/04/12/aspectos-precisa-saber-saneamento/

6. https://www.thelancet.com/commissions/planetary-health

 

Sobre esse artigo

Rachel Biancalana Costa é engenheira ambiental e doutora em Engenharia Hidráulica e Saneamento pela Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (EESC/USP). Artigo inédito produzido para a Bori.

 

Os artigos de opinião publicados não refletem, necessariamente, a opinião da Agência Bori.

Termos de uso

Todos os artigos de opinião já publicados na área aberta da Bori (e que, portanto, não estão sob embargo) podem ser reproduzidos na íntegra pela imprensa, desde que não sofram alterações de conteúdo e que os nomes e instituições dos autores sejam mencionados.

Ao usar as informações da Bori você concorda com nossos termos de uso.

Publicado na Bori em 6/4/2020, 14:48 – Atualizado em 17/2/2021, 19:05