14 de outubro de 2020 Foto: CDC / Unsplash

Por Elize Massard da Fonseca

O enfrentamento à Covid-19 no Brasil tem sido marcado por uma disputa política entre o presidente e os governadores, particularmente o governador de São Paulo, João Doria. A aprovação da vacina pela Anvisa, além de ser uma importante medida de saúde, será mais um capítulo nessa disputa, uma vez que o “primeiro entrante” nesse mercado terá ganhos políticos importantes.

Para conseguir atender a uma demanda global por produtos estratégicos no combate à Covid-19, as principais indústrias com pesquisas para a vacina contra a doença adotaram estratégias de transferência de tecnologia como forma de aumentar a escala de produção. No entanto, os pactos com essas indústrias não partem necessariamente dos líderes de governo de cada país. No Brasil, por exemplo, o governo do estado de São Paulo, através do Instituto Butantan firmou uma parceria com a Sinovac, a empresa chinesa de biotecnologia para a produção da Coronavac.

Por se tratar de um instituto de pesquisa vinculado ao estado, o Butantan tem autonomia para decidir sobre seus parceiros comerciais. Porém, a produção da vacina depende de recursos do Ministério da Saúde e de doadores privados, além do investimento do próprio governo estadual. A aprovação para uso comercial dependerá de uma autorização da Anvisa e, o que pode gerar controvérsia: a distribuição até o momento estaria restrita aos cidadãos de São Paulo. Isso porque a incorporação de novas tecnologias no SUS e a distribuição a nível nacional cabem ao Ministério da Saúde.

A compra centralizada pelo Ministério da Saúde permitiria uma negociação de preço mais vantajosa para o SUS e uma distribuição mais equitativa para a população brasileira. Além disso, a aquisição e distribuição de mais de um tipo de vacina seria o ideal, considerando evidências da combinação de diferentes vacinas no aumento da imunidade da população.

O Brasil possui uma rede de 18 laboratórios públicos, sendo os principais o laboratório federal de Biomanguinhos e o Butantan, que fornecem aproximadamente 75% das vacinas e soros para o Programa Nacional de Imunizações. Por serem vinculados aos estados, cabe aos governos estaduais estabelecer parcerias de transferência de tecnologia como o caso da Sinovac e Butantan e da possível parceria entre a Sputnik e a Bahiafarma.

Em entrevista coletiva à imprensa no lançamento da parceria entre a Biomanguinhos e a AstraZeneca, o Ministério da Saúde informou que a escolha por essa tecnologia se deu através de uma comissão de especialistas que analisou as pesquisas disponíveis e optaram pela vacina de Oxford. Por outro lado, as declarações do Butantan sugerem que a escolha pela parceria com a Sinovac se deu por conta do conhecimento acumulado com a plataforma utilizada na produção do Coronavac.

Um ponto crucial dos acordos de transferência de tecnologia para a produção de vacinas no Brasil ao longo das últimas quatro décadas é o de que a produção desses acordos é condicionada a compras públicas. Ou seja, há um importante ganho de escala ao fornecer essa tecnologia ao Ministério da Saúde. Porém o acordo do Sinovac/Butantan não contempla tal arranjo, uma vez que não há acordo prévio com o Ministério da Saúde para inclusão desse produto no catálogo de vacinas do SUS. Por hora, a produção do Butantan só pode ser direcionada ao estado de São Paulo ou exportação.

 

Sobre esse artigo

Elize Massard da Fonseca é professora da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas (FGV/EAESP)

 

 

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Publicado na Bori em 14/10/2020, 18:04 – Atualizado em 17/2/2021, 16:56