1 de setembro de 2020 Foto: Isaac Smith / Unsplash

Por Paulo Sandroni

Quando a maré sobe, todos os barcos a acompanham, mas quem não tem barco morre afogado. Alguns indícios de recuperação econômica mostram que o fundo do poço foi deixado para trás: o mês de junho foi melhor que o de maio e este superou os  indicadores registrados em abril. Em abril, o produto interno bruto (PIB) caiu 9,3% em relação a março, mas em maio cresceu 0,7% em comparação a abril. Mas a pandemia ainda corre solta e, embora alguns estados tenham alcançado platôs, não estamos a salvo de retrocessos: períodos de abertura podem se alternar com momentos de isolamento social.

Os estragos resultantes até agora foram intensos: o desemprego explodiu e a arrecadação dos três níveis de governo desabou, o que acentuou o déficit e, em consequência, a dívida pública. Alguns fatores mitigaram o rombo: a queda da taxa Selic a quase zero reduziu o custo de carregamento da dívida pública atrelada ao índice – o ritmo dessa queda foi maior do que o do crescimento da própria dívida. Outro fator que amenizou as consequências da crise foi a emissão de papel-moeda, especialmente para o pagamento das parcelas de R$ 600 do auxílio-emergencial. Entre fevereiro e junho de 2020, foram emitidos mais de R$ 80 bilhões, volume cerca de cinco vezes maior quando comparado ao dos 12 meses anteriores. O vácuo deflacionário provocado pela recessão permitiu esse ganho de senhoriagem (nota de R$ 100 custa 50 centavos para ser produzida) sem impacto significativo nos índices inflacionários. Além disso, a conversão de parte das reservas cambiais por dólar a quase R$ 6 também reforçou as finanças públicas e mitigou o déficit.

Taxar dividendos e grandes fortunas pode ajudar a aumentar as receitas no futuro, mas dificilmente compensará a perda causada pelo encolhimento do PIB somada à ampliação dos gastos decorrentes da pandemia. Estes últimos tenderão a aumentar em quase todos os serviços públicos, o que sinaliza despesas crescentes e pressão contínua nos respectivos orçamentos. Saúde e transporte público serão os mais afetados e demandarão subsídios adicionais que garantam o seu funcionamento.

A retomada sustentável do crescimento, sabemos, depende da volta dos investimentos. A agricultura vai bem, já que a produção de grãos bate recordes, mas, embora importante, esse êxito não é suficiente para retirar a economia do negativo. É indispensável que o mesmo vigor retorne à indústria e ao setor de serviços. O distanciamento social conspira especialmente contra este último e, mesmo que o trabalho a distância possa representar ganhos pontuais de produtividade, não há como assentar tijolos ou cortar cabelo dessa forma.

Outro empecilho é a imagem que o Brasil projeta. Grandes empresas, nacionais e estrangeiras, zelosas do valor intangível de suas marcas, rechaçam a associação com o fruto do cruzamento entre cloroquina e motosserra. O setor agroexportador, entre outros, pode ser afetado pelo descaso do governo com a defesa do meio ambiente.

O grande problema continuará sendo o desemprego, último aspecto em que se obtém melhoras com a volta do crescimento. Políticas públicas de amparo e ajuda às suas vítimas deveriam prosseguir pelo menos até o fim de 2020. Com a maré subindo, é fundamental manter essa massa de trabalhadores embarcada.

Sobre esse artigo

Paulo Sandroni é professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getulio Vargas (FGV EAESP). Esta análise está na revista “GV Executivo”, edição de agosto de 2020.

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Publicado na Bori em 1/9/2020, 14:30