20 de março de 2020 Foto: MARTIN SANCHEZ / UNSPLASH
O desafio mundial em conter a propagação do coronavírus

Por Antônio Augusto Moura da Silva

No dia 16/03/2020 publicamos um editorial na “Revista Brasileira de Epidemiologia”, onde analisamos a possibilidade de supressão da epidemia pela COVID-19 com base na proteção dos profissionais de saúde, testagem dos sintomáticos, isolamento dos positivos e quarentena dos comunicantes [1]. Hoje, dia 18/03/2020, o Brasil tem 621 casos confirmados, distribuídos em quase todas as unidades da Federação e 6 óbitos em São Paulo. Há transmissão comunitária estabelecida nos estados de São Paulo, Pernambuco e Santa Catarina (no sul, na região de Tubarão) e nos municípios de Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Porto Alegre [2].

Diante da situação atual, as medidas abordadas no texto (testagem, isolamento e quarentena) não serão suficientes para a contenção da epidemia se utilizadas isoladamente. Devido à grande transmissibilidade do SARS-CoV-2 e à sua elevada letalidade em indivíduos idosos, é muito alta a probabilidade de que muitos casos graves que necessitem de hospitalização ocorram simultaneamente, o que provocará saturação dos serviços de saúde. Como cerca de 5% dos doentes necessitarão de internação em UTI e cerca de 3% precisarão de ventilação mecânica [3], haverá falta de leitos e respiradores para atender a todos os pacientes. Tal situação está ocorrendo na Itália, o que está elevando a taxa de letalidade pela COVID-19 naquele país para cerca de 8% [4] .

Embora o risco de morte pela COVID-19 seja mais elevado em pacientes idosos e/ou naqueles com doenças preexistentes, o relato dos primeiros 4.226 casos nos Estados Unidos, publicado pelo Centro de Controle de Doenças (CDC), constatou que 38% dos hospitalizados têm idade de 20 a 54 anos, indicando que a doença não se limita aos chamados grupos de risco [5] . Outro trabalho realizado por pesquisadores do Imperial College, no Reino Unido, utilizando modelagem estatística, investigou o impacto potencial das intervenções não farmacológicas para reduzir a mortalidade pela COVID-19 e a demanda pelos serviços de saúde. A conclusão foi que estratégias de mitigação (que se concentram em reduzir mas não necessariamente interromper a transmissão da doença – isolamento no domicílio dos casos suspeitos, quarentena dos comunicantes que residem no mesmo domicílio dos casos e distanciamento social dos idosos e daqueles com co-morbidades) não serão capazes de interromper a transmissão da COVID-19. Essas medidas precisam ser combinadas com estratégias de distanciamento social de toda a população e fechamento de escolas e universidades para que a epidemia possa ser suprimida. De acordo com o estudo, se essas estratégias forem adotadas no início da epidemia, elas terão maiores probabilidade de sucesso, mas por outro lado, poderão levar ao retorno da transmissão tão logo elas sejam relaxadas [6].

Recentemente foi publicado estudo mostrando que a hidroxicloroquina, medicamento antigo usado para o tratamento da malária, em combinação com o antibiótico azitromicina reduziram a carga viral do SARS-CoV-2 na nasofaringe de indivíduos infectados em 3 a 6 dias. Entretanto, o ensaio tem várias limitações. Foram estudadas apenas 22 pessoas, sendo seis assintomáticas, 22 com sintomas respiratórios superiores e oito com sintomas de pneumonia. O estudo não foi randomizado, houve perda de seguimento de seis pacientes no grupo de tratamento e o grupo controle foi constituído de pacientes tratados em outro hospital [7]. Dessa forma, até o momento não foi demonstrado que algum medicamento seja capaz de reduzir a letalidade pela COVID-19.
Assim, se em curto espaço de tempo alternativas farmacológicas não se provem capazes de reduzir a letalidade pela COVID-19, apenas medidas não farmacológicas poderão ser utilizadas com essa finalidade. As medidas de contenção devem ser continuadas, ao mesmo tempo em que é importante a adoção de medidas de distanciamento social. Ao que tudo indica, se essa epidemia não for contida a tempo, teremos saturação dos serviços de saúde pela alta transmissibilidade do coronavírus e a taxa de letalidade será mais elevada do que as estimadas atualmente (de 0,5% a 4%) [8] .

Para a contenção satisfatória da epidemia pelo COVID-19 a melhor estratégia para reduzir a mortalidade e impedir a saturação dos serviços de saúde parece ser a combinação de medidas de distanciamento social de toda a população, isolamento de casos, quarentena de comunicantes domiciliares e fechamento de escolas e universidades [6]. A Organização Mundial da Saúde frisou, recentemente, que a testagem de todos os casos suspeitos é fundamental para que se possa controlar a epidemia [9]. Entretanto, a falta de testes diagnósticos e de capacidade laboratorial para a detecção da COVID-19, levou o Ministério da Saúde brasileiro a limitar a testagem apenas para os casos graves, com a justificativa de que a testagem não modifica o tratamento a ser oferecido. Entretanto, a testagem de todos os sintomáticos, segundo o estudo do Imperial College e a experiência chinesa [10], é fundamental para que a estratégia de combinação de medidas recomendadas para se conter a epidemia sejam bem sucedidas. Casos leves parecem ser responsáveis pela maior parte da transmissão do SARS-CoV-2 [10,11] . Sem a testagem dos sintomáticos será difícil se isolar os doentes e colocar os comunicantes em quarentena. Assim, a produção de kits diagnósticos para a COVID-19 e a capacidade laboratorial para a realização da testagem dos sintomáticos precisam ser urgentemente ampliadas.

 

Referências

1. Silva AA. Sobre a possibilidade de interrupção da epidemia pelo coronavírus
(COVID-19) com base nas melhores evidências científicas disponíveis. Rev Bras Epidemiol 2020; 23. Published online Mar 16.

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-790X2020000100100&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

2. Brasil. Ministério da Saúde. Notificação de casos da doença pelo coronavírus
2019 (COVID-19).  [Internet]. 2020 [acessado em 19 mar. 2020]. Disponível em:http://plataforma.saude.gov.br/novocoronavirus/#COVID-19-brazil

3. Guan W-J, Ni Z-Y, Hu Y, Liang W, Ou C-Q, He J-X, et al. Clinical
Characteristics of Coronavirus Disease 2019 in China. N Engl J Med. 2020
https://doi.org/10.1056/NEJMoa2002032

4. Worldometer. COVID-19 Coronavirus oubreak. ).  [Internet]. 2020 [acessado
em 19 mar. 2020]. Disponível em: https://www.worldometers.info/coronavirus/

5. CDC COVID-19 Response Team. Severe Outcomes Among Patients with
Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) — United States, February 12–March
16, 2020. MMWR Morb Mortal Wkly Rep 2020; 69.
https://www.cdc.gov/mmwr/volumes/69/wr/mm6912e2.htm

6. Ferguson NM, Laydon D, Nedjati-Gilani G, Imai N, Ainslie K, Baguelin M, et
al. Impact of non-pharmaceutical interventions (NPIs) to reduce COVID- 19
mortality and healthcare demand. [Internet]. 2020 [acessado em 19 mar. 2020].
Disponível em: https://www.imperial.ac.uk/media/imperial-
college/medicine/sph/ide/gida-fellowships/Imperial-College-COVID19-NPI-
modelling-16-03-2020.pdf

7. Gautreta P, Lagiera J-C, Parolaa P, Hoanga V, Meddeba L, Mailhe M.
Hydroxychloroquine and azithromycin as a treatment of COVID-19: results of
an open-label non-randomized clinical trial.
International Journal of Antimicrobial Agents – In Press 17 March 2020 – DOI:
10.1016/j.ijantimicag.2020.105949.  Disponível em:
https://www.mediterranee-infection.com/wp-
content/uploads/2020/03/Hydroxychloroquine_final_DOI_IJAA.pdf

8. Dorigatti I, Okell L, Cori A, Imai N, Baguelin M, Bhatia S, et al. Severity of
2019-novel coronavirus (nCoV). [Internet]. 2020 [acessado em 19 mar. 2020].
Disponível em: https://www.imperial.ac.uk/media/imperial-
college/medicine/sph/ide/gida-fellowships/Imperial-College-2019-nCoV-
severity-10-02-2020.pdf

9. World Health Organization. WHO Director-General’s opening remarks at the
media briefing on COVID-19 – 16 March 2020 [Internet]. World Health
Organization; 2020 [acessado em 19 mar. 2020]. Disponível em:
https://www.who.int/dg/speeches/detail/who-director-general-s-opening-
remarks-at-the-media-briefing-on-covid-19—16-march-2020

10. World Health Organization. Report of the WHO-China Joint Mission on
Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) [Internet]. World Health Organization;
2020 [acessado em 19 mar. 2020]. Disponível em: Disponível
em: https://www.who.int/docs/default-source/coronaviruse/who-china-joint-
mission-on-covid-19-final-report.pdf

11. Li R, Pei S, Chen B, Song Y, Zhang T, Yang W, et al. Substantial
undocumented infection facilitates the rapid dissemination of novel coronavirus
(SARS-CoV2). Science; 2020. https://doi.org/10.1126/science.abb3221

 

Sobre esse artigo

Antônio Augusto Moura da Silva tem pós-doutorado em Epidemiologia Perinatal pela Universidade de Oxford, no Reino Unido, e é professor do Departamento de Saúde Pública da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Artigo inédito produzido para a Bori.

 

 

 

 

Os artigos de opinião publicados não refletem, necessariamente, a opinião da Agência Bori.

Termos de uso

Todos os artigos de opinião já publicados na área aberta da Bori (e que, portanto, não estão sob embargo) podem ser reproduzidos na íntegra pela imprensa, desde que não sofram alterações de conteúdo e que os nomes e instituições dos autores sejam mencionados.

Ao usar as informações da Bori você concorda com nossos termos de uso.

Publicado na Bori em 20/3/2020, 8:32 – Atualizado em 17/2/2021, 16:56