O gavião-real, uma das maiores aves carnívoras no território brasileiro, teve um rápido declínio populacional nos últimos 20 mil anos, algo que pode estar relacionado com o início da ocupação humana na América do Sul. É o que indica um artigo publicado na revista científica “Scientific Reports” nesta quinta (12). O trabalho traz o primeiro mapa completo da genética dessa espécie, hoje classificada como vulnerável por ocorrer em regiões suscetíveis a impactos humanos como queimadas e caça ilegal, principalmente na Amazônia e em áreas do Cerrado e do Pantanal.
O resultado acende um alerta para fatores que podem representar risco de extinção para o gavião-real ou harpia (Harpia harpyja), como a diminuição do habitat e a redução de suas fontes de alimento. O estudo é assinado por pesquisadores de instituições brasileiras como o Instituto Tecnológico Vale (ITV) e a Universidade Federal do Amazonas (Ufam), em parceria com instituições dos Estados Unidos e Qatar.
As conclusões foram obtidas pelo sequenciamento do genoma do gavião-real. Essa técnica permite ler o DNA de uma espécie como se fosse um livro que conta a história de sua evolução e as formas de adaptação a diferentes habitats no passado, por exemplo. Esse sequenciamento foi realizado em uma amostra de sangue de uma fêmea resgatada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, o Ibama, após ter sido baleada por caçadores ilegais em uma floresta do Amazonas.
Segundo Alexandre Aleixo, pesquisador titular do ITV e líder do estudo e do grupo de genômica ambiental da instituição, os resultados podem servir como base para um Plano de Ação Nacional voltado à recuperação do gavião-real. “Até então, esses documentos trabalhavam com abundância ou número de indivíduos estimados. Agora, pela primeira vez, um mapa completo da genética apoiará um desses planos”, explica.
Segundo a literatura, o gavião-real é uma das únicas espécies de aves de rapina abatidas por caça ilegal. Conforme estimativa da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), a espécie conta com cerca de 100 a 250 mil indivíduos maduros em toda a área de ocorrência, que inclui América do Sul e América Central, com tendência de declínio.
Aleixo também destaca a importância da técnica de mapeamento genético para viabilizar mais descobertas científicas. “Para se ter uma ideia, só 4,5% das espécies de vertebrados brasileiras têm o genoma de referência. Estamos contribuindo para aumentar essa proporção”, conta. A técnica usada pelos pesquisadores também permite estimar a saúde da espécie e a probabilidade de ela se extinguir nos próximos anos.
Sibelle Vilaça, pesquisadora do ITV e também autora do estudo, diz que a pesquisa trouxe mudanças no conhecimento sobre a evolução do gavião-real e de espécies próximas. “Estudos prévios mostraram que as aves em geral tinham cromossomos muitos parecidos em termos de tamanho e ordem de genes, e nosso estudo mostra que essa generalização talvez não se aplique ao grupo das águias e gaviões”, comenta.
Futuramente, a pesquisa será expandida em duas frentes. A primeira envolve sequenciar o genoma de um número maior de gaviões-real para entender quais são as populações mais diversas geneticamente e quais enfrentam mais perigo. Já a outra condiz com o mapeamento da diversidade genômica no Brasil com outros 80 genomas de referência, como parte da iniciativa Genômica da Biodiversidade Brasileira. Lucas Canesin, pesquisador do ITV e primeiro autor do estudo, completa: “A biodiversidade é um ativo estratégico para a bioeconomia e a soberania nacional. O domínio da ciência genômica relacionada à biodiversidade brasileira fortalece o país nesse cenário”.