2 de junho de 2022 Foto: Cecília Bastos / USP Imagens
Feira de Troca de Sementes Criola, no aterro do Flamengo-Rio de Janeiro durante o evento Rio+20.

Por Marco Antonio Teixeira

Desde o primeiro trimestre do ano passado, o tema da fome não sai da pauta pública no Brasil. População recorrendo a restos de ossos e pelancas descartados por supermercados, filas de pessoas aguardando doações de comida e furtos  de alimentos são alguns dos temas que estampam as manchetes de jornais e sites de notícias. Dois relatórios lançados no começo de 2021 do projeto VIGISAN e do Grupo de Pesquisa Alimento para Justiça revelaram o que grande parte da população brasileira já vinha sentindo no cotidiano: muita gente não têm o que comer; precisa pular refeições; ou está permanentemente preocupada se teria dinheiro para adquirir comida nos dias seguintes.

Essas privações e preocupações eram vividas principalmente em lares pelos quais mulheres de raça/ cor preta ou parda eram as responsáveis, localizados nas regiões Norte ou Nordeste do país ou na área rural, para citar alguns marcadores de desigualdades alimentares. Estes dados comprovam a piora do cenário que já tinha sido apontada pelos números revelados pela POF-IBGE 2017-2018, que mostrou que a insegurança alimentar subiu de 3,2%, em 2013, seu nível mais baixo, para 4,6% em 2017-2018. Em 2020, este número chegou a 9%, de acordo com a VIGISAN, e 15% conforme a pesquisa divulgada por Alimento para Justiça.

Para alguns, a fome é um projeto e é lucrativa. Refiro-me aqui ao governo Bolsonaro e a alguns setores do agronegócio. Muitos setores da sociedade, no entanto, tentam buscar saídas para essa situação, num contexto de múltiplas crises: econômica – com altas taxas de desemprego e aumento da inflação –, sanitária, climática, política e social.

Ao pensar em soluções, alguns caminhos já são conhecidos e precisam ser debatidos novamente. Sabe-se, por exemplo, que o problema é multidimensional e que este aspecto precisa ser levado em conta. Por exemplo, não se trata apenas de pensar o acesso à comida, mas de garantir que ela seja em quantidade e qualidade satisfatórias e que atenda à cultura alimentar de cada localidade. Podemos também recorrer a experiências acumuladas em governos anteriores sobre como enfrentar a fome. Elas mostram que investir em políticas públicas para a agricultura familiar e camponesa, a regulação do estoque interno de alimentos no país e a geração de renda são ações fundamentais para buscarmos saídas para a fome.

Porém, neste texto, quero sugerir que a saída da fome no contexto atual deve ser pensada de maneira a incluir as vozes daqueles que estão mais próximos e se deparam com a tontura, o ar no estômago, ou a visão amarela, como Carolina Maria de Jesus descreveu a sensação de fome, na obra clássica “Quarto de Despejo”.

Mas como ouvir estas pessoas? Proponho que um caminho privilegiado para isso seja por meio do diálogo com movimentos sociais que, com suas agendas diversas, têm lutado há anos contra injustiças a partir de soluções coletivas. Há diversos movimentos sociais que tratam da agenda alimentar, o que chamamos analiticamente no grupo de pesquisa Alimento para Justiça de movimentos alimentares.

Se a intenção é fazer diagnósticos ou pensar em soluções para os problemas relacionados à alimentação, de forma geral, ou à fome, em particular, o diálogo com movimentos alimentares e seus representantes é uma abordagem privilegiada para isso. Há movimentos alimentares atuando em todos os biomas, regiões, escalas, que incluem uma ampla diversidade de sujeitos políticos em todo o país. Eles conhecem potenciais soluções com base em sua atuação e conhecimento de diversos contextos e possuem, como ninguém, capilaridade para dialogar com as populações mais afetadas pela fome.

Se você é jornalista, candidato(a) a algum cargo político, pesquisador(a) ou quer saber mais sobre o assunto e ajudar a pensar sobre as “saídas da fome”, inclua movimentos sociais e seus representantes em suas conversas. Escute o que estão dizendo e adicione as diferentes perspectivas ouvidas em suas análises. Temos vários e importantes movimentos alimentares que, na articulação entre a produção, distribuição e consumo de alimentos, pensam em projetos políticos de construção de sistemas alimentares mais justos, ecológicos, democráticos e saudáveis.

Não sabe por onde começar? Veja, por exemplo, o trabalho da Conferência Popular Soberania e Segurança Alimentar e de todas as entidades envolvidas nela. Mas dialogue também com as diversas iniciativas locais de grupos que têm procurado construir alternativas ao sistema alimentar global, produzindo e distribuindo alimentos saudáveis no campo e na cidade, doando marmitas para populações vulneráveis, criando cozinhas solidárias, entre tantas outras iniciativas de lutas por justiça alimentar. Para buscar saídas justas, ecológicas, democráticas e saudáveis para a fome, precisamos primeiro saber que caminho tomar.

 

Sobre o autor

Marco Antonio Teixeira é sociólogo, pesquisador de pós-doutorado do Instituto de Estudos Latino-Americanos (LAI) da Freie Universität Berlin (FU Berlin) e coordenador científico do Grupo de Pesquisa “Alimento para Justiça: Poder, Política e Desigualdades Alimentares na Bioeconomia” (LAI, FU Berlin).

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Publicado na Bori em 2/6/2022, 23:45