2 de maio de 2020 Foto: Governo do Estado de SP / Fotos Públicas
Homenagem aos profissionais da saúde e policiais no Hospital das Clínicas em São Paulo

Por Marco Antonio Carvalho Teixeira

Se recuarmos aos últimos processos eleitorais (2014 e 2018) no Brasil, é possível notar a crescente demonização dos serviços públicos, do servidor público e do papel do Estado. Esse movimento começou a ganhar fôlego com as passeatas de 2013, que misturavam o clamor por melhores políticas públicas com denúncias de corrupção, e ampliou-se com os protestos subsequentes.

Os pleitos, absolutamente legítimos, não impulsionaram um movimento social pela melhoria dos serviços públicos, mas contribuíram para o crescimento do discurso de desqualificação do papel do Estado, que ganhou força em importantes segmentos políticos e empresariais. Estes adotaram uma retórica entre a defesa do Estado mínimo e a privatização de todos os serviços públicos, com a justificativa de que eram excessivamente caros e de baixa qualidade. O grito por reformas administrativas e econômicas ganhou eco tanto em segmentos do mercado como em estratos majoritários da classe política.

A título de exemplo, em 2016, o ministro da Saúde, ao responder em entrevista uma pergunta sobre o Sistema Único de Saúde (SUS), afirmou para a Folha de S. Paulo: “Nós não vamos conseguir sustentar o nível de direitos que a Constituição determina. Em determinado momento, vamos ter de repactuar”. A trajetória parecia não ter mais volta. Apenas uma conjuntura crítica reverteria a tendência majoritária de considerar, de maneira generalizada, o público como significado de caro, ineficiente e suscetível à corrupção, sem especificar os problemas que de fato existem.

A Covid-19 chegou com a força dessa conjuntura crítica e travou a agenda de reformas que havia sido iniciada com a aprovação da reforma da previdência e aguardava para 2020 a tributária e a administrativa. Governadores e prefeitos adotaram – contrariando o presidente, mas em sintonia com o Ministério da Saúde – medidas de isolamento físico que paralisaram boa parte das atividades econômicas. Essas ações emergenciais demandaram dos poderes públicos respostas a empresários pedindo socorro do Estado e a cidadãos que ficaram sem condições de manter um padrão mínimo de sobrevivência. O combate ao coronavírus também exigiu rápida mobilização do aparato de saúde nacional, o que foi facilitado pela capilaridade do SUS, presente em todos os municípios. O discurso corrente em todos os segmentos sociais passou a ser “ainda bem que temos o SUS”, com a devida exaltação pública da qualidade dos serviços e esforços prestados pelos profissionais da saúde no combate à pandemia.

Assistimos, neste momento, a uma ressignificação da noção de serviço público e de servidores públicos. De demonizados, os governos acabaram tendo seus papéis reconhecidos para conter a deterioração econômica e garantir a sobrevivência digna dos cidadãos. Foi evidenciado que temos políticas públicas que são importantes para o conjunto da população. Mesmo com problemas que precisam ser sanados, são elas que efetivamente dão respostas, sobretudo quando as dinâmicas de mercado mostram seus limites na falsa dicotomia entre salvar vidas ou manter as atividades econômicas.

Certamente, depois que passar a Covid-19, não seremos mais os mesmos em nenhum dos segmentos da vida social. A boa notícia é que existe a esperança de renascer uma sociedade menos egoísta e que valoriza o bem coletivo.

 

PARA SABER MAIS:

− Claudia Collucci. Tamanho do SUS precisa ser revisto, diz novo ministro da Saúde, “Folha de S.Paulo”, 17/05/2016. Disponível aqui.

 

Sobre esse artigo

Marco Antonio Carvalho Teixeira é docente da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV EAESP). Essa análise está na revista “GV Executivo” de 04 de maio.

 

 

 

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Publicado na Bori em 2/5/2020, 16:36 – Atualizado em 17/2/2021, 16:56