1 de setembro de 2020 Foto: Taylor Wilcox / Unsplash

Por Fernando Luiz Abrucio

A chegada avassaladora da Covid-19 pegou todos de surpresa. Na educação não foi diferente. O sistema educacional e as instituições de ensino básico e superior não estavam preparadas para oferecer cursos 100% a distância. Mas não eram só os gestores educacionais e professores que estavam despreparados: os alunos foram os que mais sofreram com essa experiência. A pandemia deixou claro que educar não é só transmitir conteúdos e competências. Trata-se de um processo de construção de conhecimento compartilhado.

No início da crise sanitária, muitos diziam que a mudança exigida pelo isolamento social faria com que a educação a distância acelerasse a transformação pedagógica do ensino. Essa previsão baseava-se em duas premissas. A primeira era de que já havia instrumentos tecnológicos para fazer a transição do presencial ao remoto, muitos deles testados nos últimos 20 anos em cursos livres e de educação executiva. A segunda partia da ideia de que os jovens alunos estão muito acostumados com o mundo digital, se relacionam principalmente por meio de redes sociais e, portanto, teriam uma adaptação rápida e até prazerosa a esse novo modelo educacional.

O otimismo dessa previsão não levou em conta três aspectos que se mostraram decisivos. Em primeiro lugar, os professores não estavam didaticamente preparados para assumir de forma integral o modelo pedagógico digital. Nunca foram preparados para isso e, além disso, seu ofício exige inter-relacionamento com os discentes que depende do contato humano mais próximo. Para quem duvida disso, tente falar para 40 ou 50 pessoas durante alguns meses sem saber para quem você ou o público está olhando. Sem essa interação, nunca se sabe o quanto o aprendizado está sendo relevante e incorporado.

As desigualdades também não foram consideradas por esse modelo digital. Num país como o Brasil, uma parte significativa dos alunos não tem acesso à internet ou esta é bastante instável. Mesmo em países desenvolvidos, as redes tiveram muita dificuldade para sustentar a enorme quantidade de pessoas que estavam em home office ou tendo aulas. Fica a pergunta: será que a melhoria tecnológica não resolverá esse problema?

Aqui entra o grande empecilho à educação a distância: os alunos precisam do contato contínuo com os professores e com os outros colegas para se sentirem estimulados na busca do aprendizado. O processo educacional é uma troca que exige o contato humano, por meio do qual conteúdos, experiências, competências e emoções estão em jogo. A construção do conhecimento exige compartilhamento entre docentes e discentes que não pode se resumir a uma impessoal transmissão de informações via recursos digitais.

O conhecimento educacional precisa de um ambiente coletivo, fato que fica mais evidente nos ensinos básico e superior, porque jovens têm na educação um lugar central para o seu desenvolvimento como indivíduos em sociedade. É muito difícil substituir a necessidade presencial em um processo que envolve a construção de elementos intrinsecamente humanos, que não podem ser completamente mediados por máquinas. Como triste coincidência, a pandemia espalhou a solidão, e a perda do espaço da escola e da universidade piorou a situação para muitos.

Isso quer dizer que educação a distância deve ser abandonada? Ao contrário, ela deve ser um complemento importante, seja em palestras, seja em atividades de tutoria. Mas, quando acabar a pandemia, todos, professores e alunos, querem voltar a construir o conhecimento de forma coletiva e compartilhada. Paradoxalmente, a Covid-19 teve um importante aspecto positivo: nunca demos tanta importância ao ambiente escolar.

 

Sobre esse artigo

Fernando Luiz Abrucio é professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getulio Vargas (FGV EAESP). Esta análise está na revista “GV Executivo”, edição de agosto de 2020.

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Publicado na Bori em 1/9/2020, 14:07 – Atualizado em 17/2/2021, 16:56