Por Gaston Kremer
Quando as águas finalmente começam a baixar, revelam um cenário de destruição e lodo. Fica claro que o Rio Grande do Sul enfrenta a maior catástrofe climática de sua história – e uma das maiores do país. Ela cobra, entre outros, o preço de escolhas políticas e estratégicas. Porto Alegre não chegou a avaliar seus riscos a tempo e, em consonância com o que vem acontecendo em maior grau a nível estadual, minou suas capacidades de planejamento público, estratégico e participativo. Em um cenário que demanda adaptações complexas de forma dinâmica, diminuir as capacidades do Estado em gerar conhecimento, inteligência e articulação entre o público e o privado certamente não contribuirá para gerar as respostas que precisamos.
Um ponto de partida para construir planos de adaptação inovadores, tanto em seu processo quanto em seus resultados, é repensar os modelos de desenvolvimento. Esforços de inovação isolados e sem articulação multissetorial podem criar respostas pontuais, mas não vão produzir as transformações necessárias para evitar as próximas catástrofes e para gerar prosperidade e justiça social enquanto nos adaptamos ao novo regime climático. Planos articulados com inovação orientada por missões podem ser uma alternativa a esse cenário.
A abordagem de missões já foi usada antes para levar o homem à Lua e para construir mísseis, mas não é pela ótica bélica que essa metodologia tem potencial no contexto atual, e sim pelos elementos que ela oferece para construir, com eficiência, soluções a grandes desafios contemporâneos. Missões se nutrem de metas claras, prazos definidos e contam com uma fundamental dose de colaboração entre diferentes setores, agentes e atores da sociedade.
Nenhum ente realiza uma missão sozinho, mas, sem o Estado, essa articulação não se viabiliza. Para concretizar missões, o Estado deve liderar investimentos para a criação de mercados, assumir riscos e direcionar o desenvolvimento econômico e tecnológico. A União Europeia já vem adotando políticas orientadas por missões para apoiar esforços de resiliência contra os impactos das mudanças climáticas. Essa forma de gerar soluções pode ser adaptada e aplicada a outros contextos, como o do Rio Grande do Sul.
Orientar a inovação através de missões permite complementaridade de pesquisas e direcionalidade dos esforços científicos. Além disso, outros fatores são imprescindíveis em iniciativas de impacto coletivo: estabelecer plataformas de diálogo para a construção de consensos; estimular senso de propriedade ao respeitar o conhecimento e expertise nas tomadas de decisão; transparência; capacidades organizacionais avançadas e esforços deliberados a longo prazo.
O governo gaúcho até incluiu em seu planejamento estratégico de Ciência e Tecnologia para 2023-2026 questões que endereçam a adaptação climática, mas de forma limitada e sem correlações. Agora é o momento de adotar uma Política de Inovação Orientada por Missões para a Adaptação Climática do Rio Grande do Sul, atrelar justiça climática e social com desenvolvimento econômico sob um novo paradigma, e quem sabe, servir de modelo ao Brasil, não somente para a preparação e resposta a desastres, mas também na construção de um novo futuro.
Sobre o autor
Gaston Kremer é Diretor Executivo da World-Transforming Technologies (WTT)
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