1 de setembro de 2020 Foto: John Schnobrich / Unsplash

Por Eduardo Henrique Diniz

As tecnologias digitais são elementos centrais do novo normal, decorrente da crise gerada pela pandemia da Covid-19. Em primeiro lugar, porque qualquer reação a essa situação foi e está sendo baseada em informação produzida, armazenada e transmitida em formato digital. Mapeamento de genomas, produção de vacinas, rastreamento de infectados, monitoramento de doentes e distribuição de benefícios emergenciais são exemplos de atividades que dependem de infraestrutura digital sofisticada, capaz de gerenciar com precisão e em tempo real uma enorme quantidade de dados.

Além da linha direta de gestão da crise, as tecnologias digitais também exercem papel central em diversas outras atividades de nossas vidas, como no trabalho, na convivência social e no consumo. Lives, reuniões a distância, aulas remotas, vaquinhas digitais, comemorações virtuais e delivery são hábitos e costumes amplamente disseminados durante a pandemia, quebrando resistências de todos os tipos e que vão gerar impactos profundos no comportamento e no modo de vida de populações dos mais diversos quadrantes do planeta.

Diante de mudanças emergenciais, que aparentemente vão se consolidar como alterações estruturais, aperfeiçoar e democratizar a infraestrutura digital disponível na sociedade tornam-se necessidades reais e urgentes. O discurso a respeito da inclusão digital remodelou-se para o da transformação digital, refletindo uma significativa ampliação do acesso a recursos digitais na sociedade. Entretanto, tal acesso mostrou-se desigual, ratificando a concentração de recursos já existente entre a população. Combater essa desigualdade não é mais apenas uma forma de ajudar os menos favorecidos; passou a ser a única maneira de se construir uma transformação digital de fato.

Os desafios, no entanto, são imensos para o aperfeiçoamento e a democratização da infraestrutura tecnológica para a era pós-Covid-19. Primeiramente, é fundamental termos capacidade de disponibilizar tecnologia de qualidade a uma grande massa de desprovidos, pois o acesso à informação digital também se torna um bem público universal. Em segundo lugar, a vida durante a pandemia mostrou que o acesso à educação de qualidade, outro bem público universal, tem impacto direto no uso profícuo das infraestruturas digitais disponíveis, sendo possível obter ganhos com essa relação. Além disso, se não quisermos nos tornar apenas consumidores de tecnologia desenvolvida por outros, precisamos investir em ciência e tecnologia. Por fim, necessitamos de um ambiente que promova startups de base digital, ampliando o acesso a crédito e criando suporte legal para a emergência de negócios inovadores.

Todavia, não podemos descuidar dos riscos à democracia, à segurança e à privacidade que esse mesmo ambiente digital pode gerar. O aumento de crimes digitais no período da pandemia e as claras ameaças à privacidade, advindas de diversas tecnologias empregadas em vários países para monitorar indivíduos infectados, são sinais desse novo tempo. Somam-se a isso os impactos da digitalização sobre os sistemas democráticos, como os algoritmos que tomam decisões nem sempre de acordo com a natureza essencialmente humana de nossas relações, e as dificuldades de garantir justiça em um ambiente cada vez mais mediado por
canais digitais.

Enfim, consolidar o novo normal imposto pelos avanços digitais apenas iniciados nessa pandemia vai exigir ainda mais foco em conceitos primordiais como democracia, justiça e equidade social.

 

Sobre esse artigo

Eduardo Henrique Diniz é professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getulio Vargas (FGV EAESP). Esta análise está na revista “GV Executivo”, edição de agosto de 2020.

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Publicado na Bori em 1/9/2020, 14:42 – Atualizado em 17/2/2021, 16:56