Por Sabine Righetti*
Um trabalho disseminado à imprensa em abril pela Bori foi mencionado duas vezes em questionamentos sobre a gestão do enfrentamento da Covid-19 feitos por senadores a ex-ministros de Saúde no âmbito da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da pandemia.
Os achados do livro “Coronavirus Politics” (“Políticas do Coronavírus”, em tradução livre), liderado pela professora Elize Massard da Fonseca, da FGV EAESP, com Scott Greer e Elizabeth King, da Universidade de Michigan (EUA), foram mencionados em perguntas do senador Humberto Costa (do Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT de Pernambuco) aos ministros Luiz Henrique Mandetta (no dia 4 de maio) e Nelson Luiz Teich (5 de maio).
O trabalho mostrou que as políticas de saúde adotadas – como o distanciamento social, o uso de máscara e o estabelecimento de lockdowns – na maioria dos países estudados estiveram dissociadas de políticas sociais que permitiam que as pessoas de fato ficassem em casa, o que dificultou que a população conseguisse cumprir com tais intervenções para a contenção do espalhamento do vírus. Esse é o caso, também, do Brasil.
Publicada em 22 de abril e antecipada à imprensa pela Bori, a pesquisa teve mais de 30 menções na imprensa nos dias seguintes à sua publicação. Foi reportada em veículos como Correio Braziliense, Estadão, Deutsche Welle, UOL, Época e Agência Fapesp — só para citar alguns exemplos.
Com base no livro, o senador Humberto Costa perguntou a Mandetta se o governo teria adotado estratégia de deixar a maioria da população “se molhar” com o coronavírus (o presidente Jair Bolsonaro teria dito que a Covid-19 “é como chuva, todo mundo vai se molhar. Quando 70% tiver pegado, está tudo bem”). A resposta do ministro se focou na outra pesquisa mencionada na pergunta, da USP e da ONG Conectas, que analisou falas de Bolsonaro sobre a pandemia.
A pergunta foi repetida pelo senador, no dia seguinte, a Teich: “Assim como – ontem eu falei – uma pesquisa da Universidade de Michigan com a Fundação Getúlio Vargas também colocou claramente que o Presidente da República tinha todos os mecanismos para fazer face à pandemia e os teria utilizado no sentido oposto, que há uma grande responsabilidade dele em relação a tudo o que está acontecendo.” O ministro respondeu que desconhecia o trabalho e que precisaria “entender no detalhe a metodologia que eles usaram” para dar uma opinião.
Resposta trágica
O livro “Coronavirus Politics” mostra que houve grande variação internacional de resposta à Covid-19, levando a trágicos resultados em países EUA, Brasil, Espanha e Índia. Enquanto isso, Vietnã, Alemanha, Coreia do Sul e Noruega tiveram melhores resultados no enfrentamento da pandemia. China e Vietnã, por exemplo, fecharam 2020 com poucos casos da doença, enquanto Alemanha e Canadá observaram persistência na propagação do vírus e constantes mudanças de protocolos do seu enfrentamento.
Além disso, líderes considerados controversos como Donald Trump (EUA), Jair Bolsonaro (Brasil), Sebastián Pinera (Chile) e Boris Johnson (Reino Unido) agiram de forma autoritária (e até excêntrica) na resposta à Covid-19 por conta dos poderes constitucionais que têm para tal em seus países.
A referência a trabalhos acadêmicos em tomadas de decisão após veiculação na mídia é uma das maneiras mais interessantes de se verificar o impacto da uma pesquisa científica veiculada na imprensa. Isso porque políticos, empresários, gestores e afins acessam o conhecimento acadêmico sobretudo pela imprensa, o que torna o jornalismo científico ainda mais importante.
A pesquisa da FGV EAESP e da Universidade de Michigan, antecipada na Bori, foi uma das poucas evidências científicas mencionadas nos inquéritos realizados com os ministros Luiz Henrique Mandetta e Nelson Luiz Teich na CPI da pandemia. Além de estudo da USP e da ONG Conectas já mencionado, os senadores também citaram pesquisa da Universidade de Oxford com a Unifesp para testes da vacina Oxford/Astrazeneca. A íntegra dos depoimentos de Mandetta e Teich pode ser conferida no site do Senado.
*Coordenadora da Bori e pesquisadora da Unicamp