23 de abril de 2020 Salvar link Foto: SYDNEY SIMS / UNSPLASH
Comportamento Social

Highlights

  • Entre 1 e 25 de março houve aumento de 18% nas denúncias de violência doméstica e este número pode estar subnotificado
  • 1 a cada 3 mulheres em idade reprodutiva sofreu violência física ou sexual de seu parceiro íntimo em algum momento da vida
  • Dos 3.739 homicídios de mulheres em 2019 no Brasil, 1.314 (35%) foram categorizados como feminicídios
  • Nove em cada dez feminicídios foram praticados por companheiros ou ex-companheiros

A violência contra a mulher é um fenômeno global e o risco de agressão física, sexual e feminicídio é potencializado durante o isolamento por conta da pandemia. A observação é de pesquisadores da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), que publicaram, em 8 de abril, um estudo de revisão sobre o tema na revista “Revista Brasileira de Epidemiologia”. O estudo, liderado pela enfermeira Ethel Leonor Maciel, destaca que o isolamento social para o enfrentamento à pandemia escancara que, mesmo para os 28,9 milhões de mulheres que chefiam suas famílias, não há segurança para elas nem mesmo em suas casas. Segundo Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (ONDH), do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), a média diária entre 1 e 16 de março de 2.020 foi de 3.045 ligações recebidas e 829 denúncias, contra 3.303 ligações recebidas e 978 denúncias registradas entre 17 e 25 deste mês, um aumento das denúncias de quase 18%.

Esse número, afirma a pesquisadora, pode ser subnotificado, pois a mulher, durante o isolamento, está sob o olhar vigilante do parceiro agressor, o que dificulta pedir ajuda aos familiares ou realizar denúncias. “A vítima passa sozinha pelos ciclos abusivos que culminam na violência física. A mulher tem menos espaço para dialogar, desabafar e expor o que sente. Além disso, o isolamento torna mais difícil o deslocamento até uma delegacia ou Centro de Referência de Assistência Social”, observa Ethel Leonor, que é pós-doutora em Epidemiologia pela Johns Hopkins University.

Ainda segundo a autora, o funcionamento dos serviços especializados (delegacias e centros de referência) no atendimento às mulheres também pode ser afetado pela pandemia, sendo esse mais um empecilho para as poucas chances em que a vítima conseguiria buscar ajuda.  “No contexto da pandemia, o acesso ao sistema de saúde torna-se especialmente delicado, visto que os hospitais já estão enfrentando uma demanda extraordinária. Isso faz crescer as chances de que as mulheres violentadas não procurem atendimento ou sejam atendidas de maneira muito hostil, como já é comumente relatado em relação aos ambientes de delegacia, assim como de hospitais, estes principalmente em casos relacionados ao aborto”, lamenta.

Machismo estrutural

Nesta revisão, os autores apontam que, no caso específico da violência contra a mulher, o ambiente doméstico reforça algumas opressões naturalizadas pelo machismo estrutural, base constituída da sociedade patriarcal.  Nesse contexto de confinamento, o papel do provedor fica definido de forma muito marcada. “Com o homem em casa, a sobrecarga das tarefas domésticas é ainda maior sobre as mulheres, bem como as tarefas ligadas ao cuidado com crianças, idosos ou enfermos, por exemplo”, destaca Ethel.

A pesquisadora ressalta que a objetificação da mulher, frequentemente associada ao espaço público, como os casos de assédio e estupro, é uma ameaça real em grande parte das casas no Brasil. “O estupro em relações estáveis, naturalizado pelo senso comum de que homens têm apetite sexual insaciável, é uma prática criminosa que se passa no ambiente doméstico. Agressores e estupradores não são monstros. São homens como nossos pais, maridos, namorados, irmãos, tio. Enfim, são homens socializados no contexto da sociedade patriarcal”, alerta.

Tomar consciência dessa desigualdade estrutural, destaca Ethel Leonor, é indispensável para que a sociedade seja mais proativa a respeito da segurança das mulheres. Segundo ela, essa tomada de consciência vai lançar as bases para que as mulheres formem suas redes de apoio, passem a ser mais ouvidas e representadas. A partir da discussão exaustiva sobre o assunto, a socialização passa a ganhar novos contornos, até o ponto em que as pequenas violências contra a mulher deixem de ser naturalizadas e justificáveis, para serem enfim combatidas desde suas raízes.

Como denunciar violência doméstica

Em todo o país, o Disque 180 funciona como a Central de Atendimento à Mulher. Esse canal pode ser acessado gratuitamente e está disponível em qualquer horário. No contexto do aumento da violência em virtude do isolamento social, o Governo Federal lançou um aplicativo que permite denúncias online à Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos. Cada estado brasileiro conta com uma Delegacia da Mulher especializada. Delegacias comuns também devem estar preparadas para atender ocorrências de violência contra a mulher. Nas delegacias comuns é maior o gargalo, pois é exigido que registro do boletim de ocorrência seja relatado para um policial homem, em uma sala com muitas outras pessoas. Isso implica, conclui Ethel, em um sofrimento psicológico muito desgastante e pode banalizar a experiência vivida pela vítima.

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Fonte: Agência Bori

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Publicado na Bori em 23/4/2020, 13:24 – Atualizado em 21/2/2021, 13:35