30 de julho de 2020 Salvar link Foto: Tai's captures / Unsplash
Medicina e Saúde

Highlights

  • Metade dos profissionais continua sem receber Equipamentos de Proteção Individual (EPI)
  • Mais de 80% dos profissionais de saúde têm algum colega que se contaminou com a doença
  • 70% dos profissionais de saúde ainda não se sentem preparados para lidar com a Covid-19

Medida importante para conter a disseminação do novo coronavírus, a testagem não tem sido aplicada nem mesmo em profissionais na linha de frente na pandemia. Apenas 35,2% dos profissionais de saúde dizem ter sido testados para Covid-19. Até junho, metade destes profissionais continua sem receber Equipamentos de Proteção Individual (EPI), essenciais para sua proteção durante o trabalho. Os dados são de pesquisa realizada pelo Núcleo de Estudos da Burocracia (NEB), da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Em sua segunda fase, a pesquisa “A pandemia de COVID-19 e os profissionais de saúde pública no Brasil” realizou um survey  com 2.138 profissionais da saúde pública, de todos os níveis de atenção e regiões do país entre os dias 15 de junho e 1º de julho. Na amostra, 40% eram agentes comunitários e agentes de controle de endemia, 20,8% profissionais de enfermagem, 14,7% médicos e 23,8%, outros profissionais da saúde. Os pesquisadores queriam avaliar o impacto do avanço da pandemia entre esses profissionais diante de um cenário de reabertura precipitada das atividades não essenciais em várias cidades. A primeira fase, realizada em abril de 2020, conseguiu capturar o cenário de impacto inicial da pandemia coletando informações de 1.456 profissionais de saúde de todo o Brasil. Além de ampliar a amostra, nesta segunda etapa os pesquisadores adicionaram ao questionário perguntas relacionadas à saúde mental, assédio moral e testagem destes profissionais.

Em média, 30% dos profissionais de saúde alegaram sofrer práticas de assédio moral durante a pandemia. Para 78,2%, sua saúde mental foi afetada durante o período, sendo que apenas 20% afirmaram receber algum tipo de apoio do Estado para lidar com estes problemas. Segundo a Gabriela Lotta, coordenadora da pesquisa, as condições de saúde destes profissionais podem estar relacionadas à falta de suporte e recursos por parte do Estado. “A falta de suporte cria uma situação muito tensa de trabalho, na qual prevalecem o medo e o sentimento de despreparo. Uma das consequências é o aumento dos problemas de saúde mental destes profissionais, além do adoecimento, afastamento do trabalho e morte”, comenta a pesquisadora.

 

Falta de preparo ainda preocupa

Passados dois meses da primeira fase da pesquisa, a taxa de profissionais da saúde com medo de contrair a Covid-19 continua estável. O índice de agentes comunitários de saúde e agentes de combate à endemia que sente medo da doença chega a 89%, enquanto atinge 83% dos profissionais da enfermagem, 79% dos médicos e 86% dos outros profissionais das equipes ampliadas de saúde. A percentagem de profissionais de saúde que relataram ter algum colega que se contaminou com a doença passou de 55% para 80% nesta segunda fase da pesquisa.

O nível de treinamento dos profissionais de saúde aumentou 10%, passando de 21,91% para 32,2%, englobando médicos e técnicos de enfermagem. Ainda assim, o índice continua sendo bem baixo. Os agentes comunitários de saúde e os agentes de endemia parecem ser os profissionais menos atendidos em termos de equipamentos e treinamento. Em junho, apenas 32% destes profissionais apontaram ter recebido EPIs. Houve uma pequena melhora com relação ao cenário anterior, já que em abril apenas 19,65% dos agentes comunitários relataram receber esse tipo de equipamento.

Para Gabriela Lotta, “é irônico pensar que, enquanto em vários estados os cidadãos são agora obrigados a usar EPI, há profissionais de saúde atuando em nome do Estado que não recebem equipamentos. Isso coloca em risco a vida deles e a nossa, já que eles podem ser vetores de transmissão da doença”.

Embora haja uma variação entre profissionais e regiões, em média, 70% dos profissionais da saúde não se sente preparado para lidar com a crise da Covid-19, número bastante expressivo dado o avanço da pandemia, segundo avalia a pesquisadora Gabriela Lotta. “Esperávamos encontrar um cenário melhor depois de quatro meses de pandemia, mas a pesquisa mostra que os profissionais de saúde continuam numa situação de vulnerabilidade”. Na primeira fase da pesquisa, 64,97% dos profissionais da saúde entrevistados diziam não se sentir preparados para lidar com o cenário, o que demonstra que pouca coisa mudou.

O cenário de falta de preparo dos profissionais é preocupante, segundo avalia Michelle Fernandez, professora da UnB e pesquisadora do NEB. “Os profissionais de saúde estão desprotegidos na realização de suas atividades laborais. Sem treinamento suficiente para atuar na pandemia e sem acesso a testes, colocam em risco a sua própria vida para ajudar pessoas infectadas pela Covid-19. Somado a isso está a falta de apoio dos governos. São soldados lutando desarmados em uma guerra perdida”, afirma Michelle Fernandez, professora da UnB e pesquisadora do NEB.

A percepção sobre a falta de suporte governamental continua estável em mais de 50% dos profissionais. A falta de apoio do governo federal sentida pelos profissionais aumentou. Em abril, 67% diziam não sentir que o governo federal os apoia, enquanto que, em junho, já são 78%. O índice é muito maior ao de profissionais que sentem falta de suporte governamental do governo municipal, que chega 58%.

A alteração da rotina por causa da crise do coronavírus tem sido mais percebida pelos profissionais de saúde em relação aos relatos de abril. O índice de profissionais que responderam que a crise alterou suas rotinas, com mudança de rotina, de procedimentos, introdução de novas tecnologias, distanciamento físico, passou de 75% em abril para 95% em junho.

Segundo Michelle, os dados mostram que a crise sanitária imposta pela Covid-19 vai além da doença. “As novas formas de interação entre os profissionais e os usuários dos serviços de saúde imprimem um distanciamento que impacta, inclusive, na qualidade do serviço prestado ao cidadão. Na atenção primária, onde existe uma relação próxima e cotidiana entre profissionais e usuários dos serviços de saúde, o distanciamento é ainda mais sentido”, completa a pesquisadora.

 

 

 

Termos de uso

Todos os releases sobre as pesquisas nacionais já publicados na área aberta da Bori (e que, portanto, não estão sob embargo) podem ser reproduzidos na íntegra pela imprensa, desde que não sofram alterações de conteúdo e que a fonte Agência Bori seja mencionada.

Veja como citar a BORI quando for publicar este artigo:

Fonte: Agência Bori

Ao usar as informações da Bori você concorda com nossos termos de uso.

Publicado na Bori em 30/7/2020, 22:00 – Atualizado em 21/2/2021, 13:32