O Brasil é o segundo país que mais realiza cesáreas no mundo. Mais de 60% dos nascimentos brasileiros são por cesarianas. Essa taxa supera 80% na rede privada de saúde e é muito superior aos 10 a 15% de cesáreas recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Uma pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) mostra que hospitais privados da cidade de São Paulo reduziram as taxas de cesárea em cinco anos (2015-2019) graças ao Programa Parto Adequado. Nos hospitais incluídos no programa, essa redução foi de 14%, enquanto que nos hospitais que não aderiram ao programa, a redução foi de 3%. Os dados estão em artigo científico publicado na quarta (18) na revista “Cadernos de Saúde Pública”.
A redução mais significativa na proporção de cesáreas em hospitais paulistanos que adotaram o programa, segundo o trabalho, ocorreu a partir de 2018. Ainda assim, um ano antes da pandemia, a taxa do procedimento foi de aproximadamente 72%, bem acima da taxa esperada pelos pesquisadores de cerca de 45%, estimada segundo modelagem matemática.
O estudo comparou as taxas de cesárea de maternidades de hospitais privados da cidade de São Paulo que aderiram ao Programa Parto Adequado desde a sua primeira fase, com as que não o implementaram em nenhum momento, ao longo de 2014 até 2019. A ideia era medir a efetividade do programa, lançado em 2014 pela Agência Nacional de Saúde Suplementar para reduzir a incidência de cirurgias cesarianas sem indicação clínica e promover o parto normal, aprimorando a assistência obstétrica. A pesquisa usou dados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc) e foi limitada ao período anterior a 2020 para evitar a possível interferência da pandemia nas taxas de cesariana.
Ao todo, foram registrados 277.747 nascimentos nessas maternidades privadas de São Paulo no período analisado – a maioria deles (77%) por cesárea. Segundo os cálculos estatísticos, no ano anterior à implementação do programa, não houve redução na chance de uma mulher optar pela cesárea – o que foi observado, consistentemente nos anos seguintes, independente de idade, raça, estado civil ou escolaridade da gestante.
Apesar de sua importância em casos de risco, o uso indiscriminado e sem indicação clínica da cesariana pode acarretar complicações a curto e longo prazo. O trabalho mostrou que as chances de fazer cesárea foram maiores entre mulheres com mais de 20 anos, brancas e com união estável. Gestantes com 12 anos ou mais de estudo apresentaram chance 4% menor de realizar o procedimento em comparação àquelas com menor escolaridade.
De acordo com as pesquisadoras, essa é a primeira vez que se comparam dados entre maternidades de hospitais privados que aderiram ou não aderiram ao Programa Parto Adequado. Elas apontam que a metodologia possibilita fazer uma melhor avaliação da efetividade do programa que tem sido bem-sucedido.
“O trabalho demonstra como o envolvimento das mulheres e de profissionais da saúde pode mudar o cenário da atenção ao parto e ao nascimento”, destaca a pesquisadora Andrea Campos, doutoranda na Faculdade de Saúde Pública da USP e primeira autora do estudo. Segundo ela, outros artigos estão sendo preparados pela equipe com análises de dados de mulheres que buscaram o parto normal, a partir de protocolos baseados em evidências científicas.
Para a pesquisadora Carmen Simone Diniz, professora da USP e coautora do estudo, a efetividade Programa Parto Adequado, no contexto analisado pela pesquisa, acende um alerta para a importância da continuidade de políticas públicas como essa. “Diante da nova tendência de aumento da cesárea, que este ano chegou a 60% do total de partos no Brasil, aprendemos com as experiências bem-sucedidas que elas dependem de vontade política”, ressalta Diniz.