Mais do que terem acesso a uma estrutura adequada para aprender, uma parte significativa do desempenho dos alunos no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) reflete a realidade socioeconômica em que cada um deles vive. Fatores como renda familiar, acesso a bolsas de estudo, nível instrucional das mães e até questões raciais tiveram mais influência na nota alcançada por eles no Enem do que a infraestrutura e ensino escolares, revela estudo realizado por pesquisadores da Fundação Getulio Vargas (FGV) e da USP, publicado nesta quarta (17) na Revista de Administração Pública (RAP).
Essa conclusão foi possível a partir da análise e cruzamento de microdados do Enem 2018, do Censo Escolar 2018 e dados estatísticos do IBGE 2018. Os microdados do Enem contêm as notas dos mais de 4 milhões de alunos que realizaram o Enem naquele ano e as respostas deles ao questionário socioeconômico, enquanto os microdados do Censo Escolar 2018 trazem dados sobre a infraestrutura das escolas, disciplinas oferecidas, quantidade de salas, profissionais, entre outros.
Os autores destacam que as variações causadas pelo percentual de acesso a bolsas, renda familiar, raça, escolaridade e nível instrucional da mãe são relevantes para o desempenho escolar médio dos municípios e causam desigualdade na nota alcançada dos alunos, tanto para a prova objetiva quanto para a de redação. “A cada 5% a mais que uma cidade possui de alunos de família de renda alta, há um aumento médio de cerca de 6,25 pontos na prova objetiva do Enem”, exemplificam os pesquisadores.
Para a prova de redação do Enem, ainda existem outros fatores regionais, além dos socioeconômicos, que impactam o desempenho na avaliação, como a região do Brasil na qual o estudante mora. Possivelmente, fatores culturais e linguísticos regionais influenciarem no desempenho da redação.
O estudo também propõe o uso de uma ferramenta estatística capaz de indicar em nível municipal quais as variáveis que exercem influência positiva ou negativa sobre a média da nota do Enem. Em Itapipoca, no Ceará, por exemplo, o acesso a laboratórios de informática e as aulas de espanhol no 3º ano do Ensino Médio levou a reflexos positivos na nota dos alunos do município. “Com essa ferramenta, é possível repensar as estruturas e condições de um exame mais justo, além de projetar políticas públicas nas mais diferentes esferas da sociedade que possam ajudar na manutenção dos alunos nas universidades, como ações de redução de desigualdades, infraestrutura escolar, políticas de cotas e de permanência estudantil nas universidades”, sugere Rafael Oliveira Melo, pós-graduado pela FGV e um dos autores do estudo.
Os achados do estudo iluminam também as desigualdades educacionais agravadas a partir de 2020, por conta da pandemia de Covid-19, que forçou escolas a pararem ou aderirem ao ensino remoto. “A partir dos nossos resultados com análises de dados de 2018, podemos projetar que os próximos exames do Enem vão acentuar ainda mais os critérios de influência no desempenho dos estudantes, associados a variáveis econômicas, raciais, de perfil instrucional da mãe, incentivo escolar e de infraestrutura do ensino escolar”, comenta Anne Caroline de Freitas, doutoranda em ensino na USP e também autora do trabalho.
A pesquisadora alerta que esses aspectos distanciam ainda mais alguns grupos sociais de um bom desempenho nos exames escolares. “Isso nos faz refletir sobre as adaptações vivenciadas pela sociedade brasileira quanto à continuidade da aprendizagem e sobre políticas públicas efetivas para o futuro da educação brasileira”, complementa.