A participação de pescadores artesanais em debates com representantes governamentais para rever norma que limitava a atividade pesqueira foi fundamental para a continuidade da atividade de pesca no litoral de São Paulo. Esse planejamento garantiu equilíbrio entre as necessidades de pescadores e demandas de órgãos reguladores. São as conclusões da pesquisa realizada por cientistas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), publicada na quinta (7) na revista “Marine Policy”.
O estudo abordou a instrução normativa 166, de 2007, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama) que pretende reduzir a captura acidental de animais como baleias, golfinhos e tartarugas. Entre as regulamentações, o texto limita a altura do emalhe, uma rede vertical para retenção de pescados. Isto, porém, acaba inviabilizando a pesca artesanal de algumas espécies no litoral paulista, segundo as comunidades.
Os pesquisadores utilizaram projeções de cenários para identificar soluções colaborativas e estratégias implementáveis em situações de conflitos como estas, que são comuns no cotidiano dos pescadores. Entre 2021 e 2022, eles observaram discussões entre grupos distintos, que compartilharam suas perspectivas sobre os conflitos: gestores públicos das Áreas de Proteção Ambiental Marinha de São Paulo (APAs Marinha), do Ibama, da então Secretaria de Aquicultura e Pesca, além de pescadores locais e membros da sociedade civil. Na etapa seguinte, os cientistas entrevistaram os participantes dos encontros sobre a experiência.
Segundo Deborah Prado, bióloga e uma das autoras do artigo, a suspensão de dois artigos da instrução normativa que ameaçava a atividade pesqueira foi prorrogada até 2025. Isso se deu pela capacidade de envolver os gestores do governo federal em níveis locais.
A pesquisa demonstra a importância de incorporar e fortalecer a participação popular nas soluções de problemas comuns, regionalizar a governança e construir a informação necessária para a tomada de decisões sobre o planejamento e gestão da pesca. Prado destaca que “o trabalho propõe mudanças na gestão pesqueira, defendendo uma abordagem regionalizada ao invés de federal em função do tamanho da costa brasileira e suas particularidades”.
Agora, a pesquisadora espera que a metodologia, com base na discussão de cenários e soluções propostas, seja aplicada em outras situações que envolvam conflitos sobre a pesca e suas consequências para os trabalhadores, ou ainda nas discussões do Planejamento Espacial Marinho, instrumento multissetorial coordenado pela Marinha do Brasil, que pretende estabelecer bases institucionais e jurídicas de uso do mar. “Que oceano queremos? Que tipo de ciência queremos para um oceano mais sustentável e resiliente? Seria muito interessante replicar esse método para repensar o futuro e como os múltiplos conflitos se transformarão em um cenário mais justo, equitativo e sustentável”, finaliza Prado.