28 de setembro de 2023 Foto: Freepik
mulher negra com punho erguido

Por Rosangela Hilário e Maria Ribeiro

O dia 28 de setembro, dedicado à Luta pela Descriminalização do Aborto na América Latina e Caribe, convida ao enfrentamento das notícias levadas à público, por meio das estatísticas disponíveis, e que representam um cenário estarrecedor.

O Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023 informa que mulheres negro-brasileiras lideram rankings de feminicídio, violência doméstica e perda das crias e/ou dos companheiros; tudo em função do bem-sucedido projeto de genocídio da população negra. É a radiografia do aborto no país, com avanços e retrocessos que nos emprestam uma medida da ideia que fazemos sobre “civilidade”.

Dados do Ministério da Saúde, levantados entre 1996 e 2018, revelam terem sido notificados 1.896 óbitos relacionados ao aborto, sendo o maior risco de morte reservado para mulheres negras e indígenas, de baixa escolaridade, com mais de 40 anos ou menos de 14 anos de idade, moradoras das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e que não vivem um relacionamento conjugal.

E a razão deste cenário podem ser algumas palavras-chaves mobilizadas pela ministra Rosa Weber, presidenta do Supremo Tribunal Federal (STF), na circunstância do seu voto em favor da descriminalização da interrupção voluntária da gravidez nas primeiras doze semanas de gestação.

De acordo com a ministra, o tema do aborto deve ser restituído ao “comum da vida reprodutiva da mulher”, considerando o seu desejo de gestar, parir e cuidar da criança. E, tudo dito, para além dos evidentes prejuízos trazidos pelo ato de gestar, parir e cuidar de uma criança num território nacional que conta índices aviltantes de violência obstétrica.

A tudo isso é preciso incluir desde a oferta de pré-natal inadequado à peregrinação até uma maternidade e culminando com a recusa de evidências científicas e direitos previstos em lei; abandono paterno, 11 milhões de mulheres educam sozinhas seus descendentes, sendo 90% autodeclaradas negras; e a vasta lista de negligências  que, organizadas lado a lado, diagnosticam condições materiais de existência, como adensamento excessivo — quando mais de três pessoas utilizam o mesmo cômodo como dormitório — e falta de acesso à esgoto, coleta de lixo e abastecimento de água.

Cabe aqui rememorar que a associação entre a administração pública e o fundamentalismo religioso tem autorizado o assassinato de gestantes cujos óbitos decorrem da impossibilidade de arcar com os custos financeiros do aborto bem assistido. Que projeto civilizatório estamos endossando quando endereçamos às mulheres negras um tipo de cuidado que as mata ou as estigmatiza quando sabemos que a descriminalização diminuirá a desinformação e a prática do aborto?

 

Sobre as autoras

Rosangela Hilário é Coordenadora da Rede Brasileira de Mulheres Cientistas (RBMC), Conselheira do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável da Presidência da República e Professora Permanente do PPGEduc/UNIR.

Maria Ribeiro é Professora no Programa de Pós-Graduação em Humanidades Direitos e Outras Legitimidades (FFLCH/USP) e integrante da Rede Brasileira de Mulheres Cientistas (RBMC).

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Publicado na Bori em 28/9/2023, 23:45 – Atualizado em 17/4/2024, 9:49