Por Juliana Grazini, Paula Feliciano e Leonardo Capeleto
Os ciclos das águas estão presentes ao longo da existência e das transformações do planeta. E estes são o ponto de partida para ações de conservação da biodiversidade dos alimentos, de uso sustentável destes recursos naturais e para mediação das interações humanas relativas à alimentação. Essas iniciativas são fundamentais sobretudo em períodos de adversidades, como as enchentes que afetaram o Rio Grande do Sul e a seca que afeta a Amazônia novamente em 2024.
Além do sentido simbólico, a água tem impactos na saúde como mediadora no consumo de nutrientes e na expressão da biodiversidade dos alimentos. Na cozinha, a água é muitas vezes vista como um ingrediente invisível, nem sempre quantificado nas receitas, uma compreensão da água como bem adquirido. Mas, o que seria dos processos culinários sem a água?
Cozidos, compostos majoritariamente por água, são exemplos de comidas com importância histórica na evolução humana. Receitas culinárias como a farofa, o angu, a polenta, o pirão ou o cuscuz constituem-se de uma interessante combinação de farinha, de milho ou mandioca, com proporções distintas de água ou caldos.
A disponibilidade e a qualidade da água são condições significativas para manutenção da alimentação humana. Na Amazônia, o ciclo das águas impacta diretamente a segurança alimentar dos povos ribeirinhos: nas cheias, peixes se diluem; na seca há a preocupação com o desabastecimento e com a interferência da comida industrializada nas escolhas alimentares desses povos tradicionais. As chuvas e secas da região Norte do Brasil impactam também na manutenção dos rios voadores e na produção de arroz no Rio Grande do Sul.
Modas e modismos alimentares impactam ainda nos usos e consumos das águas em outros continentes: a produção de frutas, verduras e até do azeite, na Europa, para atender ao mercado impõe a gestão da qualidade das águas de rios fronteiriços. No México, a produção do tropical abacate vem disputando espaços de produção com as culturas locais tradicionais, como azeites e uvas. E nestes modelos de produções agrícolas que dependem de regas, como as videiras e as oliveiras, o método de sequeiro – sem irrigação – tem sido considerado uma solução para diminuir o risco nesses períodos de seca, ainda que a produtividade alcançada seja menor.
Decidir como usar rios e aquíferos e gerir perdas de águas potáveis são necessidades do presente. Períodos de secas são comuns, mas vem acontecendo de forma mais frequente em razão das mudanças climáticas. E os sistemas de gestão e proteção contra as enchentes e estiagens em curso não estão conseguindo responder a tempo a estas mudanças. No caso dos países da península ibérica, isso impacta diretamente no aumento do preço do azeite no comércio brasileiro, por exemplo. E quando ocorrem por aqui, esses períodos dificultam ainda mais a subsistência de grupos como os ribeirinhos da Amazônia.
As águas são fator decisivo para a passado, o presente e o futuro da alimentação. Podemos ainda aprender com os ciclos das águas a voltar a sonhar novos mundos e projetar mudanças e regenerações.
Sobre os autores
Juliana T. Grazini dos Santos é doutora pela Universidade de Paris VII, nutricionista, diretora da Verakis Food Academy e presidente da Fundação Verakis
Paula de Oliveira Feliciano é mestra em Culturas e Identidades Brasileiras pela Universidade de São Paulo (USP), professora em Gastronomia no Senac-SP e coordenadora de projetos na Fundação Verakis
Leonardo Capeleto é engenheiro ambiental, doutor em Ciência do Solo e pesquisador no Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (USP)
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