Genes relacionados à quebra de carboidratos em algas e plantas terrestres atuais podem ter sido doados por fungos e bactérias durante interações ecológicas ancestrais. É o que sugere um estudo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em parceria com a Universidade Estadual de Michigan, nos Estados Unidos, realizado com apoio do Instituto Serrapilheira. Os resultados, publicados na quarta (28), na revista científica “New Phytologist”, ajudam a entender o passado e o presente desses vegetais, contribuindo com o conhecimento sobre a evolução da vida no meio terrestre.
Pesquisadores investigaram a origem e a evolução de enzimas de plantas chamadas hidrolases de glicosídeos (GH), que são responsáveis pela quebra de carboidratos em diversas linhagens vegetais. Para isso, eles selecionaram algas e plantas terrestres do grupo Archaeplastida e analisaram os genes responsáveis pela codificação das enzimas GHs. A partir daí, compararam os resultados com genomas de diferentes plantas, bactérias e fungos disponíveis em bancos de dados para identificar semelhanças que pudessem revelar sua origem.
A equipe constatou que parte dos genes responsáveis pela codificação das enzimas GH foi incorporada no genoma vegetal após interações com fungos e bactérias. Considerando essas trocas e duplicações internas destes genes ao longo do tempo, o número de genes GH nas plantas passou de cerca de 20, quando a fotossíntese surgiu nas primeiras células com núcleos, os eucariotos, para mais de 400 nas atuais plantas com flores.
Luiz Eduardo Del Bem, da UFMG e autor do artigo, comenta que esse processo deixou implicações que ajudaram a moldar a vida como conhecemos hoje. “Essa linhagem de plantas só conseguiu desenvolver sua atual capacidade de lidar com carboidratos, como os açúcares e polissacarídeos, através da aquisição de genes de bactérias e fungos”, explica. Fonte de energia e elementos estruturais para as plantas, o carboidrato produzido no processo de fotossíntese tem impacto no crescimento e rendimento dos vegetais.
A pesquisa mostra parte do caminho feito pelas enzimas GH até chegarem nas células vegetais onde atuam hoje. “Nosso trabalho sugere que, nas primeiras algas eucarióticas capazes de fazer fotossíntese, a maior parte da atividade das enzimas GH acontecia dentro das células e era ligada ao processamento de carboidratos para conseguir energia”, diz Del Bem. Na medida em que ocorreu a aquisição de um repertório mais diverso de GHs, com origem fúngica e bacteriana, a ação dessas enzimas parece ter migrado para fora e ao redor da célula, na chamada parede celular.
A transferência de genes entre espécies não é exclusiva das plantas. Del Bem confirma que nós, humanos, e outros animais também contamos com genes de origem bacteriana provenientes de processos semelhantes, conhecidos como transferências horizontais. Além da capacidade de transferência direta encontrada em alguns vírus e bactérias, que inspirou a criação de vegetais geneticamente modificados, o pesquisador diz que é possível que organismos ancestrais tenham capturado DNA livre do ambiente e incorporado em seus próprios códigos genéticos.
A partir de agora, os pesquisadores querem descobrir como o fluxo genético entre os organismos deixou as plantas modernas mais complexas. “Queremos entender como as plantas captam nutrientes minerais em meio terrestre e como funciona a ecologia de micro comunidades de solo, compostas por algas terrestres, fungos e bactérias vivendo juntos”.