O estado de Santa Catarina conta com uma população concentrada em regiões costeiras. A ligação com o mar se reflete na organização do espaço, na cultura local e na economia, em grande parte baseada na pesca e no turismo. Porém, o litoral catarinense está cada vez mais exposto a eventos como inundações e ao aumento do nível do mar por conta das mudanças climáticas. Segundo pesquisadores da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), esses eventos podem provocar perdas humanas, econômicas e de biodiversidade com proporções ainda desconhecidas. A constatação está em artigo publicado na revista “Brazilian Journal of Aquatic Science and Technology” nesta sexta (28).
O oceanógrafo José Angel Perez, pesquisador da Univali e autor do artigo, destaca a hipótese de que a zona costeira catarinense seja uma das regiões brasileiras que mais possa estar mudando com relação à temperatura e características ambientais.
Através de revisão de literatura, o artigo diagnostica que, na região central da costa de Santa Catarina, onde está localizada a capital Florianópolis e há uma ocupação urbana densa, pode haver ocorrência de desastres naturais devido à chuva excessiva, como enxurradas e inundações. Esses eventos podem ser mais frequentes e mais danosos. No litoral centro-norte, as cheias podem ser mais preocupantes devido às características geográficas de ambientes fluviais e estuários, que também são altamente urbanizados. A qualidade da água doce e marinha rasa e o potencial de fornecimento de água potável também estarão em risco por conta da exposição dos mananciais às alterações decorrentes das mudanças climáticas.
“Nem todo resultado das mudanças climáticas é um evento extremo como a gente está vendo no Rio Grande do Sul. Grande parte dos efeitos mais dramáticos não acontecem de uma hora para outra, mas sim lentamente”, afirma Perez. É o que ocorre, por exemplo, com a pesca, como mostra o trabalho. Mudanças na temperatura afetam a produtividade biológica dos oceanos e a transferência de energia através das cadeias alimentares, diminuindo a produtividade pesqueira.
O fenômeno provoca, por exemplo, o deslocamento de espécies de peixes de águas mais quentes para regiões ao sul, além da diminuição de espécies de água fria. Isso impacta diretamente a pesca de espécies de grande valor econômico, cada vez menos disponíveis, como a castanha (Umbrina canosai), a merluza (Merluccius hubsi) e o peixe sapo (Lophius gastrophysus).
O setor do turismo, segundo analisa o estudo, também deve ficar mais suscetível a eventos extremos, como furacões, tempestades e alagamentos. Esses eventos têm potencial para não apenas destruir propriedades, mas também de afetar a topografia das praias e a vegetação de dunas, essenciais para a proteção costeira.
Além disso, o trabalho aponta que a poluição dos corpos d’água pelas enchentes favorece a proliferação de algas e outros microrganismos, alguns potencialmente tóxicos, provocando fenômenos como a maré vermelha. Tudo isso compromete a balneabilidade das praias e a saúde dos ecossistemas marinhos, que deterioram a qualidade da água e afetam diretamente as atividades turísticas e de lazer.
Diante desses problemas, Perez ressalta a necessidade de mais esforços de pesquisa para que seja possível entender e gerar estratégias de adaptação efetivas. A ciência precisa, por exemplo, monitorar processos que já vêm ocorrendo há algum tempo. “Os impactos permanentes podem estar acontecendo lentamente – a pesca, por exemplo, tem diminuído desde 2012. Sem que a ciência olhe para eles, eles ficam fora do radar até que seja tarde demais para evitar”, finaliza.