28 de junho de 2023 Foto: Márcia Aurora / Pixabay

Por Leonardo Capeleto de Andrade

O Parque Ibirapuera, como qualquer outro local do que hoje chamamos de Brasil, originalmente era um território indígena. E seu nome veio do Tupi antigo “ybyrapûera“, significando algo como árvores mortas ou “que já foi árvore”. Inaugurado há sete décadas, como parte das comemorações dos 400 anos da cidade de São Paulo, o Ibirapuera carrega uma história ainda mais antiga: a região onde hoje fica o parque eram “terras devolutas” (sem usos ou proprietários) do Distrito de Santo Amaro, incorporadas oficialmente à capital em 1916.

A várzea que antes abrigava pastagens rurais foi até alvo de especulação imobiliária. Mas, antes de se tornar um parque com inspirações internacionais, centenas de eucaliptos australianos foram plantados no fim da década de 1920 para drenar o terreno alagadiço. Entre as décadas de 1920 e 1950 o local passou por uma série de projetos, atravessando a Revolução de 1930 e sendo executado apenas após o fim da Primeira Grande Guerra Mundial – com edifícios desenhados por Niemeyer e propostas paisagísticas de Burle Marx (preteridas por Teixeira Mendes) – sendo inaugurado em agosto de 1954. Hoje, em meio a mais de uma centena de hectares, milhões de visitantes observam os lagos do parque sem saber de toda alteração que suas águas sofreram.

Saturnino de Brito morreu em 1929, antes das obras do parque serem efetivadas. Mas o engenheiro civil tem uma história de certa forma conectada a essas águas. Hoje Patrono da Engenharia Sanitária, Saturnino se especializou em obras de córregos e canais de drenagens para reduzir os problemas sanitários e evitar a proliferação de doenças. Desenvolveu projetos de saneamento em dezenas de cidades, do Sul ao Nordeste do Brasil – sendo os Canais de Santos seu projeto mais famoso. Mas, apesar da visão sanitária de Saturnino, com córregos arborizados e parques lineares, a visão higienista de sua época fez com que centenas de riachos urbanos da capital paulista fossem canalizados (e muitos enterrados e escondidos) para dar passagem a avenidas e viadutos sobre ou em suas margens – como no Plano de Avenidas, de Prestes Maia.

São Paulo cresceu sobre um emaranhado de rios. Estima-se que há mais de 800 córregos e rios invisíveis debaixo do concreto. Mas rios enterrados não mudam as leis da gravidade: as águas correm de cima pra baixo e transbordam sobre as barreiras. A cada grande chuva, esse ciclo se repete; e muitos rios voltam a correr sobre os asfaltos. E para este ciclo não se repetir, a água precisa infiltrar mais do que escoar.

Apesar de o Brasil até hoje não ter implementado efetivamente a Recarga Gerenciada de Aquíferos, o país já pratica há décadas uma recarga não-gerenciada! Junto ao emaranhado enterrado de rios sob o concreto, as perdas viram prejuízos e ganhos ao mesmo tempo: perdemos em média 40% das águas tratadas na distribuição. Quem ganha com isso são os lençóis freáticos: com parte chuva e parte fuga, recarregamos nossos aquíferos.

Talvez os projetistas dos séculos passados não previssem que São Paulo teria mais de 10 milhões de pessoas vivendo ao redor daqueles eucaliptos que foram plantados nas várzeas do Ibirapuera. Hoje, as chuvas que lá caem escoam para um pequeno córrego que ainda corta o terreno e para os lagos, que armazenam suas águas e infiltram para o subterrâneo. Neste emaranhado de problemas, as soluções são menos invisíveis que os rios que se escondem sob o concreto: elas podem estar na própria natureza. Com sistemas de Drenagem Urbana Sustentáveis (SuDs), as águas podem encontrar um caminho para infiltrar em meio da cidade.

 

Sobre o autor

Leonardo Capeleto de Andrade é pós-doutorando USPSusten no Instituto de Geociências (IGc) da USP e pesquisador no Projeto Soluções Integradas de Água para Cidades Resilientes (SACRE)

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Publicado na Bori em 28/6/2023, 23:45