19 de maio de 2023 Salvar link Foto: Ollie Harding / Flickr
Ciências Sociais

Highlights

  • A abertura de estrada em aldeia Kalapalo, no Mato Grosso, facilitou o transporte de pacientes e a entrada e saída de profissionais de saúde da região da aldeia
  • Por outro lado, a estrada aumentou a entrada de turistas no território e a incidência de doenças como gripes e viroses, especialmente entre crianças
  • O processo de transformação a partir de relações com outros povos (sejam indígenas de outras regiões, não indígenas ou mesmo não humanos) é algo inerente ao “ser” indígena

O que é “ser indígena” e como a relação com o território também permeia transformações e mudanças no estilo de vida desses povos? Ao mesmo tempo que recursos como uma nova estrada criam facilidades de acesso a serviços de saúde e assistência social, moradores de uma aldeia do povo indígena Kalapalo do município de Querência, no Mato Grosso, relatam temores no contato não desejados com não indígenas.  A reflexão está em artigo publicado na sexta-feira (19) na revista “Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas”.

O trabalho apresenta, a partir de um estudo etnográfico prolongado, os impactos da abertura de uma estrada concluída em 2018, que liga cidades não indígenas à aldeia Aiha, uma das doze aldeias do povo Kalapalo, que habita o Alto Xingu e é formado por cerca de 900 pessoas. A pesquisa é fundamentada em diversas visitas à aldeia entre 2006 e 2022, além de atas de reuniões de governança sobre a estrada realizadas entre 2017 e 2019 e contatos com os Kalapalo em outros espaços, como nas cidades ou nas redes sociais.

De acordo com Marina Novo, o trabalho embasa e ajuda a ampliar a noção de território para além da percepção física de espaços demarcados. A abertura da estrada trouxe implicações diversas e bastante variadas, como a facilidade para transporte de pacientes e entrada e saída de profissionais de saúde da região da aldeia, explica o artigo. Adicionalmente, facilitou o acesso aos benefícios sociais a que eles têm direito, como aposentadorias e Bolsa Família. Além disso, as viagens à cidade ficam muito mais rápidas e baratas, diminuindo o impacto financeiro do transporte. “Considerando que os territórios são os espaços por onde eles circulam e criam conexões mais permanentes, o que eu sugiro a partir de minha pesquisa, é que essa proximidade traga uma percepção de um território expandido, em que as cidades mais próximas da aldeia são, em alguma medida, integradas ao território vivido por eles”.

Território é um conceito complexo e difere muito do conceito jurídico de Terra Indígena, por exemplo, conforme explica Novo. “Vários autores já escreveram sobre isso, mas a ideia é de que Terra Indígena, como consta na legislação, são parcelas de terra delimitadas de forma mais ou menos arbitrária, considerando os modos de vida e os usos do espaço por parte das populações ali abrangidas. O conceito de território, por outro lado, é muito mais abrangente, compreendendo o território vivido e as relações estabelecidas com os diversos seres que habitam esse território, sejam eles humanos ou não humanos, e pode, nesse sentido, fazer referência a um espaço muito mais amplo do que a terra demarcada, como é minha sugestão, no caso dos Kalapalo”.

Apesar de vantagens, essa conexão com o ambiente não indígena também trouxe repercussões negativas. O trabalho aponta que a estrada aumentou significativamente a entrada de turistas (especialmente de pesca) que nem sempre têm autorização para permanência em território indígena. Segundo informações dos agentes de saúde, também aumentou a incidência de gripes e outras viroses gastrointestinais, especialmente entre as crianças. Embora desejosos de contatos com outros territórios e modos de vida, os Kalapalo buscam assegurar uma noção de “boa distância” do mundo não indígena, ressalta o artigo.

As questões levantadas pelo estudo podem contribuir para a elaboração de políticas públicas que levem em consideração a diversidade dos povos indígenas e as especificidades de suas relações com o dinheiro, os bens industrializados e com seus territórios. “A correlação dos povos indígenas com a terra é intrínseca aos seus modos de vida. Ao mesmo tempo, quando se propõe políticas públicas que sejam universais, muitas vezes as especificidades dos povos indígenas não são respeitadas e o que era para ser a garantia de um direito constitucional se transforma em uma violação de outro direito constitucional, que é o direito à diferença. Assim, pesquisas como essa podem contribuir para que cada vez mais essas especificidades e diversidades sejam olhadas e consideradas pelos gestores e tomadores de decisão”, pontua Marina Novo.

Aldeia Aiha em fevereiro de 2015. Foto: Marina Novo

DOI: https://www.scielo.br/j/bgoeldi/a/3hnr5mqJFSmL4NDFHCxRffS/?lang=pt

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Fonte: Agência Bori

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Publicado na Bori em 19/5/2023, 23:45 – Atualizado em 7/7/2023, 14:55