Ao promover a pseudociência e enfraquecer as ações do Ministério da Saúde, os discursos do presidente com relação à pandemia de Covid-19 seguem padrão semelhante a posicionamentos do governo sobre questões climáticas em 2019. É o que mostra estudo realizado por pesquisadores da Fundação Getulio Vargas (FGV), em parceria com pesquisadores da Universidade de Cape Town, África do Sul, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e a Universidade de São Paulo (USP) publicada na “Global Public Health” na quarta (23).
O estudo analisou de maneira sistemática mais de 7.200 notícias publicadas sobre Covid-19 em quatro jornais de grande circulação no Brasil (Folha de S. Paulo, Estado de S. Paulo, O Globo e Valor Econômico), entre os meses de janeiro e julho de 2020, período mais crítico da pandemia, em que havia pouco conhecimento sobre o vírus. Ao explorar em profundidade essas notícias, os pesquisadores notaram quatro principais padrões nos discursos do presidente em torno da pandemia:
- Diminuição da importância do distanciamento social;
- Negacionismo científico e simplificação dos impactos da pandemia;
- Uso inadequado da ciência para dar um verniz de cientificidade aos argumentos;
- Transferência para os governadores estaduais da culpa e dos custos das medidas impopulares.
Essas conclusões foram possíveis com o uso de técnicas Processamento Natural de Linguagem (NLP), um campo da inteligência artificial que permite analisar um grande volume de dados textuais, destacando padrões e criando categorizações. “Ao analisar o cluster associado ao presidente, identificamos uma série de discursos que corroboram o que os observadores e analistas definem como uma resposta fraca e controversa à pandemia”, explica Lira Luz Benites Lázaro, uma das autoras do estudo.
Os pesquisadores ressaltam que as ações do presidente não apenas têm implicações na forma como o país lida com a pandemia, mas também afetam o seu desenvolvimento econômico sustentável. Para os autores do estudo, o ímpeto de manter a economia funcionando, a despeito das altas taxas de mortalidade e da destruição da Amazônia, sugere que suas prioridades são de curto prazo, às custas do meio ambiente e da sustentabilidade social.
Para Elize Massard da Fonseca, que também é autora do estudo, mais do que pedir para que esses líderes levarem a ciência a sério, é preciso investigar por quê eles agem assim. “Os índices de aprovação de Bolsonaro aumentaram em 2020, o que sugere que seu discurso ressoou com uma parcela do eleitorado, mesmo com o aumento do número de mortes. É fundamental que estudos futuros investiguem os determinantes do populismo, particularmente durante pandemias”, sugere.