Estabelecimentos que concentram metade das aquisições de alimentos no Brasil, os supermercados ou hipermercados têm potencial ambíguo de influência nas compras de consumidores brasileiros: ampliam o acesso a alimentos frescos, mas, em contrapartida, podem facilitar a escolha por alimentos ultraprocessados. A conclusão é de um estudo da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) publicado na revista “Cadernos de Saúde Pública” na quarta (23).
A análise levou em conta 650 comércios varejistas do município de Jundiaí, no interior de São Paulo. Por meio da ferramenta de auditoria AUDITNOVA, as autoras do estudo coletaram diversos dados sobre os estabelecimentos, como a disponibilidade de produtos, ações promocionais e localização de alimentos nas lojas, entre outros quesitos. A metodologia é baseada na classificação Nova, que separa os alimentos segundo o grau de processamento (in natura ou minimamente processados, ingredientes culinários, alimentos processados e alimentos ultraprocessados).
Os resultados possibilitaram a identificação de três perfis de estabelecimentos. O primeiro reúne as lojas que apresentam mais barreiras, e o segundo agrega os comércios que apresentam mais facilitadores para escolhas alimentares saudáveis. Já o terceiro perfil mescla os dois anteriores: nessa categoria, os estabelecimentos têm, ao mesmo tempo, barreiras e facilitadores da alimentação saudável. A disponibilidade de frutas e verduras na entrada do estabelecimento ou promoções de preços de alimentos frescos, por exemplo, são considerados facilitadores, enquanto preços promocionais para a compra ou presença de ultraprocessados nos caixas são considerados barreiras.
Os supermercados foram o único tipo de estabelecimento que mostrou relação com os três perfis. Enquanto se caracterizam como espaços com oferta de alimentos in natura ou minimamente processados, essas lojas também disponibilizam alimentos ultraprocessados, frequentemente com o uso de técnicas sofisticadas de marketing, como a presença de publicidade dentro do estabelecimento e o posicionamento estratégicos de determinados produtos para chamar a atenção do consumidor e incentivar as escolhas alimentares por alimentos nem sempre saudáveis.
“Nossos dados sugerem que a simples disponibilidade física de alimentos saudáveis nos supermercados não deve ser o único fator avaliado quando falamos da saudabilidade do ambiente alimentar e de seu potencial de impactar as escolhas de alimentos saudáveis entre os consumidores. Isso porque fatores complementares – como preço, publicidade e informações disponibilizadas por indústrias de alimentos ou pelo próprio comércio – podem interferir nas aquisições”, afirma Camila Borges, uma das pesquisadoras responsáveis pelo estudo.
O artigo mostra, ainda, que estabelecimentos do tipo sacolão ou hortifruti – sejam eles públicos ou privados – apresentam mais modificações físicas que promovem a venda de alimentos in natura ou minimamente processados, além de terem maior disponibilidade dessas opções. As padarias, no entanto, registraram venda prioritária de alimentos ultraprocessados.
A identificação dos perfis de estabelecimentos varejistas pode auxiliar no embasamento de futuras políticas públicas que regulem o setor varejista, promovendo ambientes alimentares mais saudáveis. “Considerar o grau de processamento dos itens à venda é essencial para promover a saúde, principalmente no contexto atual, quando vemos um aumento no consumo de ultraprocessados em substituição aos alimentos tradicionais da dieta brasileira”, diz Borges.